Cannes 2023: muitos filmes e muita irritação
A 76ª edição de Cannes passa à história como uma das mais proveitosas, em termos de filmes relevantes na programação – além de ter garantido a terceira Palma de Ouro a uma mulher, a francesa Justine Triet e seu Anatomie d’une Chute, que chegará a Brasil distribuído pela Diamond.
Mas então por que fica a sensação de que foi uma das edições mais cansativas e irritantes de todos os tempos – para mim, que frequento a Croisette como jornalista credenciada desde 2001?
A verdade é que o sistema online de reserva de ingressos, obrigatório para todos os credenciados desde 2022 – e que existe em outros festivais, como Berlim e Veneza -, não foi garantia de nada. Mesmo acordando pontualmente todos os dias na abertura do site, às 7h da manhã, não era seguro obter todos os ingressos desejados, ainda que fosse nas sessões exclusivas da imprensa. E, mesmo conseguindo, quem disse que se conseguiria entrar? A pior situação foi na sessão de Strange Way of Life, de Pedro Almodóvar, em que um monte de pessoas sem ingresso foi admitida à sala e gente com ingresso ficou de fora – inclusive a presidenta da Academia de Ciências e Artes de Hollywood, Janet Yang.
Depois da enorme confusão desse dia, que assistiu choque de jornalistas com a segurança da sala Debussy – que se comportou como uma verdadeira tropa de choque, gritando e chegando a tirar temporariamente a credencial de uma colega que protestou para entrar - , os outros dias foram de estresse permanente, muito acima do habitual num festival com tantas atrações. Esperava-se a repetição dos incidentes, com a organização do festival fazendo de conta que nada sério estava acontecendo. Resultado: no dia da sessão de Killers of the Flower Moon, de Martin Scorsese, jornalistas faziam fila na calçada duas horas antes do começo da sessão. E debaixo de chuva. Não foi o único caso. As filas se repetiram assim, todos os dias, em todas as salas.
Era para acontecer isso? Claro que não. Supõe-se que o sistema online seja uma garantia de entrada na sala. E que a programação contemple todos os credenciados. Se os jornalistas são 5.000, como se diz, que se encontre um modo de fazer todas as sessões necessárias. Afinal, estamos trabalhando, não espiando os figurinos e falando do glamour. Pelo menos, quase todos.
A equipe do Palais du Festival também foi quase toda trocada e, visivelmente, estava desorientada. Isso causou atritos desnecessários com os jornalistas. E, para coroar os trabalhos, na noite da premiação, uma das salas onde a imprensa trabalha e tem acesso a mesas e tomadas, teve seu espaço repentinamente reduzido, com fitas de segurança isolando um corredor e normas de circulação novas e absurdas. Enfim, Cannes 2023 teve muita irritação. Espero que ouçam nossas críticas e ano que vem haja mais paz para trabalhar e pensar naquilo que realmente interessa: os filmes!