Abaixo os longuinhos em Berlim
Parece mentira que, a esta altura da história do mundo, ainda se tenha que levar a sério coisas fúteis como trajes de gala para sessões de tapete vermelho de festivais de cinema. Por isso, é mais do que bem-vindo o novo movimento feminino, agora no Festival de Berlim 2018, liderado pela atriz Anna Brüggeman, #NobodysDoll – ou seja, ninguém é boneca de ninguém – e que consiste apenas no seguinte: as atrizes, diretoras, técnicas ou convidadas dos filmes participantes se unem para recusar a obrigatoriedade de usar vestidos longos, justos, brilhantes, decotados e saltos altos para essas ocasiões. Cada uma vai vestida do jeito que quiser, inclusive de traje de gala, mas não por imposição.
Como este será o 68º. festival, só dá para dizer: demorou, né?
Claro que as alemãs não estão sós nessa parada, até porque outro grande festival, Cannes, tem um protocolo bem mais rígido nessa questão do figurino – eu mesma, como jornalista, já não pude assistir a um filme lá há alguns anos, em plena tarde, porque era uma sessão de gala e claro que eu estava de jeans e não “a caráter”. Isso acontece por lá e já rendeu protestos de artistas, como Julia Roberts, Kristen Stewart e Sasha Lane em 2016, quando elas entraram descalças no Palácio dos Festivais em solidariedade a convidadas do filme Carol que tinham sido impedidas de entrar na sessão por conta de não estarem de saltos altos.
A filosofia por trás do #NobodysDoll, no entanto, vai mais fundo do que um mero protocolo de vestuário – critica na veia a objetificação das mulheres pelo figurino, criando uma embalagem que valorize apenas seu aspecto físico. E aí o movimento alemão se filia diretamente, guardadas as devidas proporções, ao #MeToo e ao Time’s Up, que reverberaram na cerimônia dos Globos de Ouro, em janeiro, e sua sucessão de atrizes e também atores vestidos de preto em solidariedade na cruzada contra o assédio sexual em Hollywood.
Tudo indica que este ano esta discussão veio para ficar. Os festivais de cinema vão ter que encontrar espaço para que ela aconteça e vamos torcer que, ao contrário dos saltos altos, longos esvoaçantes e smokings, não seja apenas uma moda passageira.