O poder do cão na Netflix
Depois de discreta passagem pelos cinemas, já está disponível na Nefflix Ataque dos Cães, escrito e dirigido por Jane Campion, ganhadora do prêmio de direção em Veneza deste ano. O filme transita sempre entre dois polos: o amor e a vingança; a doçura e a violência; o certo e o incerto. Partindo de um romance dos anos de 1960, de Thomas Savage, ela constrói uma narrativa que desafia a clássica do western, embora mantendo alguns de seus elementos, o filme claramente os subverte: da presença feminina à sexualidade masculina.
É um filme que mantém rimas visuais e temáticas com Brokeback Mountain, mas, na forma, o desenvolvimento é diferente. Campion sempre tem um olhar particular para a natureza, essa é uma força que entra na vida das personagens – é só pensar no mar em O Piano, ou no campo florido de Brilho de uma Paixão. A natureza aqui é mais do que uma paisagem ou um elemento estético que serve como base para belas imagens. É uma força que segura as personagens em seu estado mais bruto – quase como um imã, impedem que vão além do que já são.
O título original – Power of the Dog – vem de um salmo bíblico: “Livra a minha alma da espada e a minha predileta, da força do cão.” Quem é a (ou o) predileta (o), e quem é o cão, jamais fica claro entre as personagens, pois tudo se dá no terreno da ambiguidade. A figura feminina mais forte aqui é Rose (Kirsten Dunst), viúva e mãe de um adolescente aparentemente frágil física e emocionalmente, Peter (Kodi Smit-McPhee), que gosta de fazer flores de papel. Ela se casa com George (Jesse Plemons), e vai viver na fazenda dele e do irmão, Phil (Benedict Cumberbatch), um sujeito que, apesar de formado em Yale, optou por cuidar do gado como um peão.
Rose funciona mais como um catalizador que desestabiliza relações do que uma personagem. O centro são os homens e uma espécie de investigação da masculinidade. Se o cowboy é o símbolo máximo do homem americano, construído historicamente a partir da expansão territorial do país, Ataque dos Cães (um título um tanto infeliz que a Netflix arrumou por aqui) humaniza esse mito sem o desconstruir, mas trazendo-lhe uma bem-vinda humanidade que o torna mais complexo