O cinema caleidoscópico de Karim Aïnouz
Em entrevista ao Cineweb, o cineasta cearense fala sobre suas experiências na Argélia e dos dois filmes resultantes dessa viagem, estreando simultaneamente nos cinemas no dia 28/9 (Foto: Maria Lobo/Divulgação)
- Por Alysson Oliveira
- 25/09/2023
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Karim Aïnouz em filmagem de Marinheiro das Montanhas (Créditos: Maria Lobo/Divulgação)
Depois de fazer A vida invisível (2019), que ele mesmo classifica como “um tipo de cinema muito clássico”, Karim Aïnouz queria voltar às suas origens – tanto cinematográficas quanto pessoais. No cinema, ele conta, começou fazendo filmes não-narrativos em super 8, uma espécie de cinema-diário. Marinheiro das Montanhas foi sua oportunidade de resgatar essa paixão.
Mas o filme também marca sua primeira viagem à Argélia, país de origem de seu pai – onde ele mora –, com quem tem uma relação fraturada, como fica bem claro no filme, que transita entre o documentário, o ensaio visual e o onírico. As diversas formas e texturas, e até mesmo as músicas, criam uma dialética entre o pertencer e o não-pertencer, que, de certa forma, está ao centro da filmografia ficcional de Aïnouz, marcada por personagens inquietos e em movimento, ocupando espaços - filmes como sua estreia em longa Madame Satã (2002) e O Céu de Suely (2006), por exemplo.
“Marinheiro... é como se estivesse fazendo um improviso da música. É uma colagem de diversas imagens para dar sentido à história. Já a cor vem, pra mim, de um lugar fundador. Minha mãe colecionava caleidoscópios, e creio que o filme é um pouco isso, o movimento forma imagens diferentes, cores e luzes que se transformam”, diz em entrevista ao Cineweb.
Outro elemento forte nos filmes do diretor cearense são as músicas. Impossível assistir a O Céu de Suely, e não ficar cantarolando o clássico nacional esquecido, Tudo o que tenho, na voz de Diana – uma versão de Everything I Own, da banda Bread, ressalta Aïnouz. Em Marinheiro das Montanhas, os créditos finais são marcados por Smalltown boy, da banda britânica Bronwky Beat, um clássico pop dos anos 80.
Os pais de Aïnouz em Marinheiro das Montanhas (Crédito: Acervo Karim Aïnouz)
“Eu sou muito ligado em música. Eu cresci vendo novela, e eram lançadas as trilhas sonoras nacional e internacional. Minha relação com a música vem daí, de como a música pode potencializar a imagem. Desde meu primeiro curta [O Presco, de 1992], eu terminava com uma música das Frenéticas.” Mas, rindo, ele também confessa um outro motivo para colocar músicas nos filmes: “Tenho pânico de fazer um filme em que as pessoas durmam”.
Ele define o cinema como uma mistura de muitas coisas, que afetam os sentidos, e “o bom cinema é sempre sensorial”. “O cineasta não deve ter medo de se colocar, se expor. Para fazer cinema tem que ser corajoso.” Em Marinheiro..., Aïnouz se apresenta em primeira pessoa, narrando a sua viagem, mas também resgatando a história de sua família, o rápido romance de seus pais, que se conheceram nos EUA, a separação, e a relação complicada com o pai. “O que ele me deu foi a Argélia, e isso me basta.”
Como se vê bem no filme, a Argélia é um país vibrante em seu colorido e seus costumes. Visitando-o em 2019, o diretor se deparou com um momento conturbado, ainda que cheio de esperança, da história local. Manifestações pediam “uma nova independência da Argélia”, mais de seis décadas depois da luta armada contra a colonização francesa, demandando a rejeição ao 5o mandato consecutivo do ditador Abdelaziz Buteflika.
Aïnouz estava no país no momento em que essas manifestações aconteciam e, da janela do quarto do seu hotel, viu a multidão pacífica na rua, e isso o impressionou. Achou que, de alguma forma, deveria registrar isso também. Ele conta que as manifestações fizeram-no lembrar-se das Diretas Já. “Eu tinha que filmar, não sabia se ia ser uma parte do Marinheiro..., ou mesmo um outro filme. Eles falavam de utopia e esperança, e isso me comoveu muito”
O resultado dessas filmagens é Nardjes A., segundo filme do diretor na Argélia, que aconteceu por acaso. Ele ligou para um amigo produtor de elenco em busca de uma pessoa para filmar durante os protestos, e acabou chegando na jovem Nardjes, uma jovem atriz, que participou do movimento.
Nardjes participando das manifestações pela "nova independência da Argélia" (Crédito: Divulgação)
Nardjes é uma pessoa comum. Não está na liderança dos protestos, nem faz parte de nenhum grupo. É uma jovem mulher que achou que devia sair às ruas para lutar por um país melhor. “A única exigência dela para mim é que não iria atuar. Se eu quisesse filmá-la, poderia, mas deveria deixá-la agir como ela é. E era exatamente isso que eu queria, um documentário de aproximação.”
A experiência de Aïnouz na Argélia, nesse momento tão conturbado quanto potente, o fez lembrar também do seu país. “É importante que um povo faça sua própria história. Nossa Independência, por exemplo, foi um acordo das elites com outras elites. Não mudou nada. Enquanto não formos donos de nossa própria história, vai acontecer tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos.”