Eliza Capai transforma o luto em cinema e discute o aborto
- Por Alysson Oliveira
- 13/11/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
Em seus documentários, como Espero tua (re)volta, a cineasta capixaba Eliza Capai sempre se voltou a questões sociais, especialmente aquelas que envolvem mulheres, seus corpos e sua posição na sociedade. Mas nunca esperara que ela mesma fosse tema e personagem de um filme seu, até que ficou grávida no começo da pandemia, em 2020.
Vencedor do É Tudo Verdade de 2023, e, por isso, qualificado para o Oscar de Melhor Documentário,
Incompatível com a vida surgiu num momento de dificuldade, quando o feto foi diagnosticado como inviável, sem condições de sobrevivência. Inicialmente, a ideia era filmar sua gravidez durante o lockdown para, um dia, mostrar para o filho, até que a notícia chegou e ela precisava tomar uma decisão.
“O luto gestacional e neonatal é algo invisível. Fui fazendo imagens para lidar com algo que não conseguia. A partir do diagnóstico, tive certeza de que precisava fazer um filme para falar sobre isso. Mas era preciso estar na frente da câmera também. Era uma espécie de obrigação moral colocar meu corpo para falar de um tema tão incômodo quanto normal”, disse em entrevista ao Cineweb, via Zoom, direto dos EUA, onde participa de exibições do longa e faz uma campanha para sua indicação ao Oscar.
Para tocar na questão da interrupção ou não da gravidez, Eliza conversou com diversas mulheres que passaram pela mesma experiência que ela – algumas preferiram manter a gestação. Outras, como Eliza, buscaram a interrupção – no caso dela, foi feita em Portugal, terra natal de seu ex-companheiro, o fotógrafo João Pina.
“Eu gosto muito de fazer entrevistas. Meus documentários são, basicamente, construídos com entrevistas. Havia uma conexão entre eu e essas mulheres. Eu não podia expô-las sem também me expor, por isso voltei a câmera a mim também.” Ela explica que, no momento das entrevista, estava em luto e, com aquelas mulheres, havia uma verdadeira troca.
Incompatível com a vida toca num tema urgente, cuja discussão no Brasil nunca parece ser honesta: o aborto. “É um assunto que toca a vida de todas, e nossos corpos são afetados por leis. Mesmo que seja uma gestação de uma criança que irá morrer assim que nascer, ou pouco tempo depois, a lei não permite o aborto. As mulheres são obrigadas a levar a gestação até o fim.”
A montagem do filme é assinada por Daniel Grinspum, cuja participação, explica Eliza, foi fundamental na construção de Incompatível com a vida. “É curioso que um filme tão feminino como esse tenha sido montado por um homem, mas fiquei muito feliz em trabalhar com ele. Era necessário também trazer alguém de fora, que não tivesse a relação que eu mesma tenho com o material. Foi esse olhar com frescor que me ajudou e encontrar a narrativa”.
Eliza define o longa como “um debate político de forma empática.” Empatia, aliás, é uma palavra-chave aqui. “Quero que o filme dê mais visibilidade a essa questão, que sirva de abraço às pessoas que passam por essa experiência, e também que seja um trabalho dentro dos próprios corpos hospitalares. Ajudando aos médicos e equipes de enfermagem a compreender como podem agir. Às vezes, dentro do hospital, a mulher acaba sofrendo também uma violência pelo despreparo deles.”
A discussão sobre o aborto no Brasil, como diz a própria cineasta, é rasa e sensacionalista. Com o filme, ela explica que tentou transformar seu trauma numa história universal. “O filme é algo maior do que eu. Estamos lidando com dois tabus: a perda gestacional e neonatal e o aborto. Espero que fomente uma discussão sobre as políticas que envolvem o corpo feminino e como a sociedade pode lidar com ele.”