20/09/2024

As batalhas da juventude

Retratos de jovens em busca de seu lugar no mundo ocupam o documentário chinês “Juventude (Primavera)”, a autoficção “Arturo aos 30”, o drama belga “Está chovendo em casa”, com o agravante do racismo e intolerância no premiado brasileiro “Porto Príncipe”.


Arturo aos 30
Corroteirizado, dirigido e protagonizado por Martín Shanly, Arturo aos trinta é uma comédia agridoce sobre as dores do crescimento, tendo ao centro um adulto que parece resistir ao processo de amadurecimento. Temos acesso ao personagem quase que em sua completude – ele fala demais, seus monólogos são exagerados, mas isso não é um problema dentro do filme, é uma clara estratégia na construção da narrativa. Sabemos demais sobre ele - mas, realmente, o conhecemos?
A resposta é, obviamente, não, mas, ainda assim, Arturo faz um truque de nos induzir a pensarmos que, sim, ele está sendo sincero conosco. Mas certos acontecimentos o recolocam em uma nova perspectiva.

A moldura do filme é uma festa de casamento, e entre uma cena e outra nesse evento, temos acesso ao passado do personagem – sempre contado por ele mesmo. O que todo mundo sabe é que não se deve confiar num narrador, especialmente quando ele conta sua própria história. Ainda assim, Arturo não se poupa, não sai como herói de sua história – pelo contrário. Uma eterna criança que não cresce, ele comete muitos erros.

Show de um homem só, Shanly se sai bastante bem em todos departamentos. A criação do protagonista é o maior desafio nesse estudo de personagem. Arturo é, basicamente, desagradável, mas, ainda assim, não deixamos de torcer por ele, para que amadureça e conheça melhor a si mesmo, e assim, finalmente, se torne adulto. Se é que isso é possível. (Alysson Oliveira)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA AUGUSTA SALA 2


20/10/23 - 19:20
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1
22/10/23 - 16:00
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2
29/10/23 - 17:20

Conversas pela noite
Logo de cara, percebe-se que Hong Sang-Soo é uma forte referência à roteirista, diretora e atriz de Hong Kong Su Qiqi em Conversas pela noite que, como indica o título, é marcado pelo falatório. E, como nos filmes de sua referência cinematográfica, muitas das conversas se dão durante refeições.
É um filme de estreia feito com carinho e empenho, mas atrelado demais às influências do cineasta coreano. A homenagem, embora claramente sincera, acaba diminuindo o resultado aqui – especialmente porque Hong é um cineasta prolífero (inclusive há dois filmes dele na Mostra), que tenta se reinventar de tempos em tempos, mas sem mudar muito.
Os protagonistas são um casal, interpretado pela diretora e por Ma Yuebo. Eles estão o tempo todo juntos, fazem tudo juntos: leem, fazem as refeições, se encontram com amigos. É de se pensar se não existe um excesso de tempo compartilhado, se isso não acaba afetando o relacionamento.
Porém, são os primeiros anos da terceira década do século XXI, e o mundo passa por uma mudança radical, que se reflete nos relacionamentos humanos. O casal tenta se entender por meio das palavras, das conversas que parecem infinitas, mas o que dizer quando parece que tudo já foi dito?
A fotografia em preto-e-branco de Zhang Zheng’an, novamente, remete a alguns filmes de Hong, assim como as conversas como base do desenrolar das cenas. Conversas pela noite é um exercício de estilo (emprestado) bem-intencionado, mas que nem sempre se justifica. (Alysson Oliveira)

RESERVA CULTURAL - SALA 1 20/10/23 - 19:10
KINOPLEX ITAIM SALA 2 21/10/23 - 19:40
CINE SATYROS BIJOU 24/10/23 - 16:40
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 5
26/10/23 - 14:00

Está Chovendo em Casa
O doloroso processo de amadurecimento – especialmente forçado – é filmado com um carinho e curiosidade enormes pela cineasta belga Paloma Sermon-Daï, premiada na Semana da Crítica do Festival de Cannes com esteseu primeiro longa de ficção. Ela observa um verão na vida dos irmãos Purdey, de 17 anos, e Makenzy, de 15, que vivem sozinhos numa pequena casa deixada pela avó, numa cidade de veraneio. Eles não têm pai e a mãe, desatenta e alcoólatra, um dia vai embora sem qualquer explicação.
Purdey, mais ajuizada do que a mãe, toma a frente da situação. Ela trabalha como arrumadeira temporária numa pousada e, com o dinheiro, sustenta a si e ao irmão. Sonha em cursar enfermagem, mas adia o sonho para tentar ser efetivada neste emprego mesmo. Makenzy é mais sem rumo na vida. Passa os dias com um amigo, nos arredores de um lago, para onde vêm turistas.
Sermon-Daï observa essa dupla de personagens sem fazer julgamentos, conseguindo um mergulho delicado na personalidade mais íntima dos dois. Nos papeis, escalou seus sobrinhos, que seguram bem os jovens personagens trazendo a eles nuances e complexidades.
A diretora pode ter buscado inspiração nos seus conterrâneos, os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, ao fazer um drama marcado pelo olhar social e pelo carinho e respeito pelos personagens à margem da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, ela é capaz se desvencilhar de influências, constrói sua própria gramática com destreza, e o filme resulta no trabalho de uma cineasta a quem devemos prestar atenção nos próximos anos. (Alysson Oliveira)

INSTITUTO MOREIRA SALLES - PAULISTA 20/10/23 - 21:40
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 5
27/10/23 - 19:10
CINEMATECA SALA GRANDE OTELO 01/11/23 - 15:00

Porto Príncipe
Em Porto Príncipe, o foco está na relação delicada e contraditória que se estabelece entre uma velha senhora de origem alemã, Bertha (Selma Egrei), e Bastide (Diderot Senat), um imigrante haitiano que ela contrata para ajudá-la em serviços em sua chácara. O filme dá oportunidade para que se discutam o racismo e intolerância que cercam estrangeiros num novo território.
Diderot Senat, um imigrante haitiano verdadeiro que não é ator profissional - e venceu o prêmio de melhor ator em festivais como o Cine PE 2023 -, empresta ao papel uma verdade que ele traz no olhar, no corpo e na pele e é o grande trunfo do filme. Um tema como esse, ambientado num estado como Santa Catarina, marcado por forte imigração alemã e italiana, com população de maioria branca, sem dúvida remete a um tom político, que a direção não torna tão veemente, mas está lá. A narrativa encaminha-se mais a uma atmosfera intimista, retratando o choque que a presença do jovem negro traz à família de Bertha, notadamente seu filho.
Mesmo sem querer forçar o tom político, o filme se apropria desta intolerância que cerca seu protagonista por todos os lados, especialmente quando ele tenta libertar-se do vínculo um tanto ambíguo que o une à sua patroa/protetora - ela mesma imersa em tantas contradições. Por esse atravessamento de tantas questões candentes no Brasil de hoje, o filme merece atenção. (Neusa Barbosa)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1
20/10/23 - 21:30
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA AUGUSTA ANEXO 4
01/11/23 - 15:00

Juventude (Primavera)
O prestigiado cineasta chinês Wang Bing apresentou na competição de Cannes 2023 este documentário de 3 horas e meia que radiografa o mundo do trabalho nas confecções de uma região da China. Bing coletou seu material por cinco anos – de 2014 a 2019 – para compor este retrato crítico tanto de uma geração de jovens trabalhadores quanto de um importante setor da economia de seu país. Mas é evidente que seu foco está no aspecto humano de toda esta engrenagem.

De maneira intensa e até exaustiva, o cineasta expõe as condições dramáticas deste trabalho, na maioria executado por jovens na casa dos 20 anos – mas há mesmo uma adolescente de 16 entre eles –, que se esgotam em exaustivas jornadas para atender às demandas de seus patrões, que lhes repassam suas pressões por encomendas e prazos. São jovens que vieram do campo, de regiões mais ou menos próximas, e que moram no mesmo local da fábrica, em alojamentos superlotados, em condições higiênicas precárias. Terminada a temporada de trabalho, eles voltam às suas casas, para retornar na próxima convocação.

A precariedade da vida e dos sonhos destes jovens, que abandonaram a escola e tentam ganhar a vida, de várias maneiras aproxima este filme do documentário brasileiro Estou me guardando para quando o Carnaval chegar (2019), de Marcelo Gomes, evidentemente em outro contexto. Mas as afinidades são grandes numa reflexão do quanto é escassa a possibilidade de todos estes jovens trabalhadores da indústria têxtil, na China ou no Brasil, terem alguma utopia pessoal ou projeto de outro futuro. Suas relações de amizade ou sexo e mesmo seu lazer são confinados ao próprio alojamento, onde eles se dedicam a brincadeiras físicas uns com os outros, como crianças - parecem mesmo meninos e meninas cuja infância não terminou e já são lançados numa dura jornada de sobrevivência. As condições em que vivem apenas garantem um sustento precário, como se diz, “da mão para a boca”, sem que se descortine alguma possibilidade de melhora.

No filme de Bing, há diversos momentos em que os trabalhadores negociam com seu patrão o pagamento das peças que produzem, em massa e rapidamente, dentro de padrões estritos. Mas parece não haver muitas opções para quem trabalha no setor, a não ser trabalhar para outro patrão, em contextos e condições bastante semelhantes. O fato de que haja mães e filhos trabalhando juntos apenas aponta para a continuidade do processo. O neoliberalismo está mesmo exercendo seus tóxicos efeitos em toda parte. E, com seu filme, exaustivo como é também para quem assiste, Bing parece estar se interrogando sobre qual pode ser, afinal, o futuro não só da China, como do mundo. (Neusa Barbosa)

KINOPLEX ITAIM SALA 2








20/10/23 - 16:00
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4
21/10/23 - 17:40
CIRCUITO SPCINE LIMA BARRETO - CCSP

22/10/23 - 19:00
CINE SATYROS BIJOU










27/10/23 - 19:10