20/09/2024

Lenny Abrahamson e o cinema das pessoas comuns


É irresistível encontrar o cineasta irlandês Lenny Abrahamson e não lhe dizer logo de cara: “Aposto que você ouve isso o tempo todo, mas eu amo Normal People”. Ele sorri, e diz que sim, ouve isso a todo tempo, e que isso o deixa muito feliz e aliviado. “Era uma responsabilidade muito grande. É um livro [escrito por Sally Rooney] amado por muitas pessoas, eu tinha muito receio que desse errado. Por isso, é uma alegria sempre que me dizem ter gostado da série”, disse em entrevista ao Cineweb, em São Paulo, onde faz parte do júri da Mostra.

Prestes a completar 57 anos, Abrahamson tem em seu currículo filmes como O Quarto de Jack, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de direção e o prêmio à atriz Brie Larson, e Frank, no qual Michael Fassbender interpreta um músico que usa uma cabeça gigante cobrindo a sua própria. O diretor, que se graduou em filosofia e abandonou um doutorado em Stanford na mesma área, exibe na Mostra seus três primeiros longas: Adam & Paul, Garage e O que Richard fez – todos realizados em sua Irlanda natal.

Vestindo uma camiseta cinza e bermuda, antes da sessão especial dos filmes finalistas para o júri do festival, Abrahamson nem parece um diretor que foi indicado ao Oscar, tamanho seu despojamento e simpatia. “Foi realmente um momento importante na minha carreira [a indicação], e ajudou a me tornar um cineasta mais conhecido, abrindo portas, surgindo mais oportunidades de trabalho, mas minha vida não mudou. Continuo morando na mesma casa em Dublin, fazendo as mesmas coisas. Jamais me mudaria definitivamente para os Estados Unidos para trabalhar, não é a vida que quero. Tenho filhos pequenos e não acho um lugar seguro para eles”.

Em seus trabalhos, ele descobriu jovens atores que se tornaram grandes astros. Fassbender, em Frank; Jack Reynor, em O que Richard fez; e Paul Mescal, um dos jovens mais badalados de Hollywood atualmente, em Normal People. Quando lembrado disso, Abrahamson ri e brinca, dizendo que “adoraria receber agora uma parcela do salário deles”.

Mas, no fundo, ele se revela orgulhoso de suas descobertas. Quando fica sabendo que Aftersun, longa protagonizado por Mescal, venceu a Mostra do ano passado, o cineasta comemora, e acrescenta: “É um filme muito bonito, muito sincero. Paul está ótimo. Eu, que tenho uma filha pequena, fiquei muito emocionado vendo o relacionamento retratado no longa.”

O quarto de Jack foi o primeiro filme da produtora e distribuidora A24 a receber indicações ao Oscar, em 2016, e hoje esta se tornou um dos principais nomes do cinema independente americano, ganhando o Oscar com Tudo ao mesmo tempo em todo lugar, este ano. E já desponta com um dos principais filmes para as premiações do próximo ano, Zona de Interesse. Quando fica sabendo que o longa também está na Mostra, Abrahamson se empolga. “Jonathan Glazer [diretor do filme] é um dos cineastas mais interessantes atualmente. Os filmes dele são incríveis, ele fica anos trabalhando neles. Não sei se eu teria essa paciência.”

Atualmente, conta que está escrevendo um roteiro original, que se passará em Dublin, onde deverá ser filmado no próximo ano. Mas Abrahamson não descarta novas adaptações literárias. “A literatura é uma fonte muito rica para o cinema. A literatura irlandesa contemporânea tem muitos bons escritores. Ainda há muita coisa a ser filmada”.

Normal People foi sua primeira série produzida para streaming, e o cineasta conta que trabalhou da mesma maneira como para o cinema. Aponta que a BBC e o Hulu, os serviços de streaming que produziram e distribuíram a série, lhe deram total liberdade. “Não teria como ser diferente. Eu não conseguiria fazer algo com enorme pressão em cima de mim.”

Visitando o Brasil pela primeira vez, ele confessa que está encantado com São Paulo, mas sua relação com o país não é de hoje. Ele é amigo do cineasta cearense Karim Aïnouz, que conheceu num festival anos atrás. “Ele é incrível, assim como o cinema dele. Mandei uma mensagem dizendo que estava vindo para o seu país, e ele adorou saber.” Eles não vão se encontrar por aqui, pois Aïnouz mora em Berlim, mas Abrahamson prometeu voltar ao país – talvez, novamente, na Mostra, com seu próximo filme.


O QUE RICHARD FEZ
INSTITUTO MOREIRA SALLES - PAULISTA

01/11/23 - 20:20

ADAM E PAUL
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA AUGUSTA ANEXO 4
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