23/03/2025

Filmes em Gostoso abordam a adolescência em vários tons

S. Miguel do Gostoso - A competição de longas continuou na noite deste sábado com a produção cearense Quando eu me encontrar, das diretoras Amanda Pontes e Michelline Helena, cujo enredo se constrói em torno de uma ausência - a jovem Dayane partiu de repente, deixando um bilhete e todos de seu pequeno círculo íntimo atordoados. A trama se monta a partir dessa perda, que cada um dos personagens principais tem que elaborar.

Confrontados com isso, a mãe dela, Marluce (a extraordinária Luciana Souza), a irmã menor, Mariana (Pipa), e o noivo Antônio (David Santos, visto em Represa, grande vencedor do Festival de Vitória) são forçados a reelaborar suas vidas, ao mesmo tempo em busca de explicações - sobretudo a mãe e o noivo - e de formas de seguir adiante (especialmente a irmã mais nova, uma adolescente envolvida também em suas próprias questões, com a mãe e na escola, onde ela é bolsista num ambiente acima de sua classe social, com tudo que isso implica).

Mostra-se eficiente o recurso das diretoras de jamais mostrarem uma foto que seja da ausente Dayane, constituindo sua imagem a partir dos fragmentos que cada um dos personagens que a evocam guardam em sua memória. Essa lacuna de explicações e de imagens permite que cada espectador construa sua própria versão de Dayane e de sua partida, também a partir das reações da mãe, da irmã e do noivo inconformado. Uma boa proposta dramatúrgica, que permite intensidade a partir de sugestões, de sutilezas.

Maternidades
Tanto quanto no filme baiano Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, há uma figura forte, central, de mãe solo no filme cearense - e esta maternidade se afirma como um dos temas do festival, que reflete um país onde os pais tantas vezes partem sem fazer parte da vida e do destino dos filhos.

A paternidade, aliás, entrou como tema num dos curtas da mostra paralela Panorama, Engole o Choro, de Fábio Rodrigo (SP), com o pai sendo interpretado pelo ator mineiro Renato Novais, reentrando, a contragosto, na vida de um filho adolescente e com problemas com a polícia (Oda Silva). Mas aí também se abriu uma janela para a busca de um difícil afeto.

Panorama
Na mesma mostra Panorama, que inaugurou um novo espaço, a Sala Petrobras - uma tenda climatizada na praia do Maceió - foram também exibidos o longa Sem Coração, de Nara Normande e Tião (PE), e outro curta, Ramal, de Higor Gomes (MG).

Participante da mostra paralela competitiva Horizontes, no Festival de Veneza, Sem Coração expande o enredo do curta dos mesmos diretores de 2014, focalizando um grupo de adolescentes no interior de Alagoas em 1996. Nesse grupo, misturam-se garotos e garotas de classes sociais diferentes, como a menina de classe média Tamara (Maya de Vicq) e garotos que flertam com a criminalidade, caso de “Galego” (Alaylson Emanuel).

A sexualidade brotando à flor da pele move esses meninos e meninas, que têm uma espécie de contraponto numa garota que faz parte daquele ambiente, apelidada de “sem coração” por causa de uma operação cardíaca que fez anos atrás - que gera a lenda de que ela teria substituído o coração por uma máquina, quando, na verdade, não será mais do que um marcapasso.

A garota, de nome Duda (Eduarda Samara), é realmente diferente de todos eles, é mais adulta, trabalha ajudando o pai pescador e exerce sua sexualidade de maneira mais decidida.

De todo modo, o foco do filme está nessa dinâmica de turma adolescente explorando os arredores de sua cidadezinha litorânea, arriscando-se em comportamentos não autorizados pelos mais velhos - como invadir a casa vazia de um vizinho. Não é um filme de interpretações tão trabalhadas como Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, até porque se trata de outra abordagem, mais fluida, mais lacunar.

O filme pernambucano também tem a diferença de ser uma história ambientada há quase 30 anos atrás, o que fica marcado num noticiário que anuncia a morte de PC Farias, o empresário que ficou famoso por envolvimento em corrupção e que coordenou a campanha de Fernando Collor de Mello à presidência.

De todo modo, é muito positivo que o cinema brasileiro recente esteja voltando seus olhos para a diversidade dos modos de ser adolescente neste tempo e lugar. Está aí aquele que será seu novo público, o cinema precisa falar a sua língua.