04/10/2024

Uma jornada dedicada ao afeto

"Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges Imagem Divulgação

São Miguel do Gostoso - Na primeira noite da décima edição da Mostra de Cinema de Gostoso, a programação de filmes foi toda dedicada ao afeto - um campo em que o País está precisando mesmo de uma reconstrução, que o cinema felizmente está consolidando. Só deu mesmo para reclamar do enorme atraso da cerimônia de premiação, que fez com que as exibições, no cinema ao ar livre do Praia do Maceió, se prolongassem até à 1h30 da madrugada - contando, como sempre, com a atração extra de uma lua extraordinária e um céu cheio de estrelas.

Da programação em si, não houve o que reclamar. As sessões tiveram início com o curta "Nós do Audiovisual", uma produção do excelente projeto instalado na cidade potiguar no âmbito do festival nestes 10 anos, oferecendo cursos de formação em audiovisual para 148 jovens da região, totalizando 52 oficinas, das quais saíram até agora 27 curtas-metragens, incluindo o exibido ontem à noite. Curtas, aliás, que já ultrapassaram as fronteiras locais, conquistando prêmios dentro e fora do Brasil.

No curta, dirigido por Maísa Tavares e Clara Leal, forma-se uma carteira de identidade do coletivo Nós do Audiovisual, apresentando alunos que passaram por esses cursos e diversos personagens da cidade que atuaram, como atores, em suas produções. Ou seja, a mais completa tradução do que pretende qualquer cinema que se preza - mostrar a cara do país que representa. Um objetivo cumprido com empenho, que este projeto leva adiante com muita garra, produzindo um notável impacto social na vida destes jovens. Longa vida ao projeto!

Irmãs de sangue
O primeiro curta da mostra competitiva foi o representante sul-matogrossense As Marias, em que o diretor Dannon Lacerda, ao traçar o perfil de suas tias trigêmeas, acaba descobrindo-se personagem de uma história familiar trágica, o que confere um notável sabor a este pequeno documentário - que, também por isso, torna-se uma pequena ponte para um Brasil profundo, rural, familiar e violento ao mesmo tempo. Além de tocar em delicadas questões de gênero, ao discorrer sobre as vidas dessas três mulheres idosas, criadas para a submissão e a obediência aos homens, e que se mostram muito à vontade nas conversas com o sobrinho.

Afeto acima de tudo
Multipremiado na última Mostra de São Paulo, o longa baiano Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, constrói com muita delicadeza o percurso do adolescente Bruno (Bruno Jeferson), de 15 anos, que ao iniciar sua jornada rumo à descoberta do sexo e a maturidade descobre que vai ficar cego.

O que há de mais notável aqui é não só a naturalidade que o diretor extrai de seus ótimos protagonistas adolescentes - aos quais se soma o irmão de Bruno, Rony (Ronnaldy Gomes), e as garotas
Ângela ( Ângela Maria) e Terena (Terena França) - como a maestria que obtém num retrato de ambiente, de uma adolescência que vibra em cada pequena situação, em cada fala. Contando-se aí, como tempero delicioso à parte, a colorida regionalidade baiana das expressões.

Numa palavra, o filme é um encanto, envolvendo nos episódios engraçados mas sem abrir mão de contemplar a dramaticidade do dilema original de Bruno - com o qual ele, o irmão, os amigos e também sua mãe (Wilma Macedo) terão que lidar. Destaca-se também a figura de um professor, Vinicius, que coloca à disposição seus conhecimentos sobre deficiência visual, tornando-se um contraponto a uma estrutura escolar um tanto burocratizada, que se mostra resistente a incorporar mudanças e desafios.

O roteiro, aliás, é assinado por Haroldo Borges e pela talentosa Paula Gomes, diretora do premiado documentário Jonas e o Circo sem Lona (2015), exibido no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã e no Festival É Tudo Verdade, entre outros, e que também focaliza com muita propriedade o mundo infanto-juvenil.

Programação na tenda
Hoje (25) à tarde, começa a programação da Mostra Panorama, com o longa pernambucano Sem Coração, de Nara Normande e Tião, e os curtas Engole o Choro, de Fábio Rodrigo (SP), e Ramal, de Higor de Paula Gomes (MG). Esta exibição será na Sala Petrobras, uma tenda climatizada com 109 lugares, também localizada na Praia do Maceió.

Veja a galeria de fotos do festival