Fest Aruanda termina sob o brilho da memória de Grande Othelo
- Por Neusa Barbosa
- 06/12/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
João Pessoa – Com a exibição do último longa, o documentário Othelo, o Grande, de Lucas H. Rossi dos Santos, terminou a seção competitiva do Fest Aruanda, que se encerra nesta noite, com a divulgação dos prêmios da 18ª. edição.Contando somente com materiais de arquivo, com entrevistas do protagonista, o ator, cantor e compositor Grande Othelo (1915-1993), e trechos de seus filmes, resgata-se essa figura ímpar do cinema brasileiro, atuante em títulos como Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos, Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, e tantas comédias da Atlântida - em que formou dupla com Oscarito, fazendo rir várias gerações em comédias como Carnaval no Fogo (em que os dois protagonizam uma impagável representação de Romeu e Julieta, com Othelo no papel de Julieta).
O que ressalta neste admirável documentário é não só o papel pioneiro deste artista negro – que sofreu racismo em sua época, tendo que entrar pela porta dos fundos mesmo sendo integrante do elenco dos shows do Cassino da Urca – como sua lucidez, eventualmente amarga, manifestada em entrevistas de que o documentário se apropria muito bem. A montagem, assinada pelo diretor e também por Willem Dias, é um dos pontos altos.
Afetos baianos
Parte da mostra competitiva Sob o Céu Nordestino, o longa baiano Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, constrói com muita delicadeza o percurso do adolescente Bruno (Bruno Jeferson), de 15 anos, que ao iniciar sua jornada rumo à descoberta do sexo e a maturidade descobre que vai ficar cego.
O que há de mais notável aqui é não só a naturalidade que o diretor extrai de seus ótimos protagonistas adolescentes - aos quais se soma o irmão de Bruno, Rony (Ronnaldy Gomes), e as garotas Ângela (Ângela Maria) e Terena (Terena França) - como a maestria que obtém num retrato de ambiente, de uma adolescência que vibra em cada pequena situação, em cada fala. Contando-se aí, como tempero delicioso à parte, a colorida regionalidade baiana das expressões.
Resumindo, o filme é um encanto, envolvendo nos episódios engraçados mas sem abrir mão de contemplar a dramaticidade do dilema original de Bruno - com o qual ele, o irmão, os amigos e também sua mãe (Wilma Macedo) terão que lidar. Destaca-se também a figura de um professor, Vinicius, que coloca à disposição seus conhecimentos sobre deficiência visual, tornando-se um contraponto a uma estrutura escolar um tanto burocratizada, que se mostra resistente a incorporar mudanças e desafios.
O roteiro, aliás, é assinado por Haroldo Borges e pela talentosa Paula Gomes, diretora do premiado documentário Jonas e o Circo sem Lona (2015), exibido no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã e no Festival É Tudo Verdade, entre outros, e que também focaliza com muita propriedade o mundo infanto-juvenil.
Balanço
A 18ª edição do festival mostrou o vigor não só dos documentários – além de Othelo, o Grande, destacou-se também Peréio, eu te odeio, de Allan Sieber e Tasso Dourado -, como de ficções criativas, embora em chaves muito diferentes, como Saudosa Maloca, de Pedro Serrano, recuperando o universo de Adoniran Barbosa, e Levante, da estreante Lillah Halla.
Na mostra competitiva Sob o Céu Nordestino, destacaram-se também títulos como Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges (BA), e Sem Coração, de Nara Normande e Tião (PE), duas ficções carregadas de humanismo e afeto. Esta, uma marca do cinema brasileiro recente, em busca da recuperação de um país ainda tão desigual e destroçado.
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