Histórias de mulheres dominam programação do Fest Aruanda
- Por Neusa Barbosa
- 04/12/2023
- Tempo de leitura 4 minutos
João Pessoa - O final de semana no Fest Aruanda reuniu filmes protagonizados e também dirigidos por mulheres, trazendo à tona retratos diferenciados da condição feminina no Brasil – tanto hoje quanto nos últimos anos. Na competição nacional, um deles foi Levante, de Lillah Halla, uma história que reflete as angústias de uma juventude periférica de São Paulo, lutando contra a desigualdade, ao contar o drama de Sofia (Ayomi Domenica). Adolescente negra, jogadora de vôlei talentosa, ela tem uma chance de ser contratada e jogar fora no Brasil, para o que está recebendo todo o apoio de sua treinadora (Grace Passô).
"Ana", de Marcus Faustino Crédito: Divulgação
Mas justamente no momento que pode ser a grande virada de sua vida, ela descobre que está grávida. O filme mostra de maneira muita precisa o peso que recai sobre uma mulher em sua situação, ainda mais sendo jovem e vivendo num país em que o aborto é proibido em quase todas as circunstâncias.
Outro aspecto muito bem captado no filme é a fluidez sexual que caracteriza esta nova geração e a capacidade de formar laços entre si para se fortalecer contra o que é uma grande ameaça – no caso, a mobilização furiosa de um grupo de evangélicos, decididos a impedir que Sofia aborte e expondo publicamente a ela e sua família (ela vive com o pai, interpretado por Rômulo Braga). Um outro tema, aliás, bem oportuno, esse fanatismo que cerceia toda forma de negociação ou diálogo em nome do que considera uma verdade absoluta, acima do bem e do mal.
Ana, de Marcus Faustino (RJ), segue a jornada de Ana (Priscila Lima), uma jovem órfã, moradora na Pavuna, no Rio de Janeiro, que vive com o único irmão, Diego (Gustavo Luz), e luta sozinha em várias frentes. A primeira, a da sobrevivência material pura e simples, arrancando o sustento de trabalhos esporádicos, como passear cachorros em bairros de classe média. A segunda, proteger o irmão menor da intolerância, quando ele passa a ser ameaçado de espancamento e morte no bairro onde vivem.
O filme procura uma pegada intimista, com uma câmera que se detém muito no rosto dessa Ana que procura resolver seus dilemas, entre os quais também o amoroso, vivendo um caso complicado com Cristiano (Vinicius Oliveira), que também coloca em foco a impossibilidade destas pessoas de viverem à parte dos poderes do crime organizado, que mais de uma vez participa dos acontecimentos que moldam estas vidas. Sem ser diretamente mencionada, a política está nas entrelinhas. Mas estes personagens estão, mais do que tudo, entregues a si mesmos.
Adolescência anos 90
Na mostra competitiva Sob o Céu Nordestino, Sem Coração (foto ao lado), de Nara Normande e Tião, expande o enredo do curta dos mesmos diretores de 2014, focalizando um grupo de adolescentes no interior de Alagoas em 1996. Nesse grupo, misturam-se classes sociais diferentes, como a menina de classe média Tamara (Maya de Vicq) e garotos que flertam com a criminalidade, caso de “Galego” (Alaylson Emanuel).
A sexualidade à flor da pele move naturalmente cada um deles, que vêem uma espécie de contraponto numa garota que faz parte daquele ambiente, mas não do grupo, apelidada de “sem coração” – isto por conta de uma operação cardíaca que fez anos atrás, gerando a lenda de que ela teria substituído o coração por uma máquina, quando, na verdade, não será mais do que um marcapasso.
A garota, Duda (Eduarda Samara), é realmente diferente de todos eles. É mais adulta, trabalha ajudando o pai pescador e assume sua sexualidade de maneira mais decidida. E é visível que o ponto de vista da história é o de Tamara sobre Duda, em que se infiltra uma atração sexual ainda tímida mas desejosa de se expressar.
O foco do filme está nessa dinâmica de uma turma adolescente muito diversificada que será exposta à realidade do mundo, fazendo uma passagem para a vida adulta – que, para alguns, será trágica.
Saindo do registro apenas intimista, o filme pernambucano também ostenta a particularidade de ser uma história de época, ainda que recente, ambientada há quase 30 anos - o que fica marcado num noticiário que anuncia o assassinato de PC Farias, o empresário que ficou famoso por envolvimento em corrupção e que coordenou a campanha de Fernando Collor de Mello à presidência. Uma história até hoje não completamente esclarecida.
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