Fest Aruanda tem noite de temas fortes e experimentalismo
- Por Neusa Barbosa
- 03/12/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
João Pessoa - A mostra competitiva do Fest Aruanda recebeu, nesta noite de sábado (2), Levante primeiro longa de Lillah Halla - eleito o melhor filme das Seções Paralelas pela Federação Internacional dos Críticos no mais recente Festival de Cannes. Coprodução entre o Brasil, Uruguai e França, o filme acompanha a história de Sofia (Ayomi Domenica), uma promissora jogadora de vôlei que, às vésperas de uma competição crucial para seu futuro, descobre-se grávida. A partir daí, ela passa por todo o habitual calvário de uma adolescente na sua situação, a princípio tentando esconder do pai (Rômulo Braga) e resolver sozinha o problema. Mas, além de todos os obstáculos que atravessam seu caminho, devido aos impedimentos legais da realização do aborto no Brasil, ela ainda se vê no centro de uma disputa com um grupo cristão fundamentalista, decidido a impedi-la a todo custo e expondo-a publicamente.
A discussão do tema do aborto, como se sabe, é mais do urgente no Brasil - e recentemente, documentários como Incompatível com a Vida, de Eliza Capai, colocaram em foco alguns de seus muitos aspectos. Levante trata, ficcionalmente, de outros assuntos correlatos, inclusive do tema da gravidez na adolescência e da diferença da situação em países próximos - num dos segmentos do filme, Sofia tenta realizar o aborto no Uruguai, terra de sua falecida mãe e onde o aborto é legal.
O filme tem o mérito ainda de focalizar com honestidade o microcosmo da adolescência periférica, enfrentando uma situação de desvantagem e desigualdade, retratando sua energia, fluidez sexual e solidariedade com particular honestidade.
Curtas
Foram três os curtas da mostra competitiva. Travessia, de Gabriel Lima (RJ), retrata um embate poético entre dois personagens num barco (Caio Blat e Juliane Araújo) - em que um deles está apenas na memória do outro. Filmado na Ilha do Mel, Sereia, de Estevan de la Fuente (PR), constrói com notável solidez e delicadeza a atmosfera para discutir a homossexualidade identificada na infância - com direito a uma metáfora poética construída nas imagens.
Numa chave totalmente divergente, Bergamota, de Hsu Chien (RJ), mergulha no filme de terror para compor uma situação que envolve três homens, desejo e crime.
Sob o Céu Nordestino
Teve início também uma outra mostra competitiva dentro do festival, Sob o Céu Nordestino, apresentando os curtas paraibanos Abrição de Portas, de Jaime Guimarães e Flora, a mãe do rei, de Geóstenys de Melo Barbosa - este último uma criativa ficção a partir de fragmentos de informação sobre a mãe de Jackson do Pandeiro (1919-1982), uma cantora de cocos de Alagoa Grande, no sertão paraibano.
O longa nessa mostra foi Cervejas no Escuro, de Tiago A. Neves (PB). Arriscando-se numa mistura de gêneros, do semidocumental à auto-paródia, o filme acompanha uma recente viúva (Edna Maria) que decide, sem qualquer experiência anterior, realizar um filme sobre suas histórias de vida, contando com a ajuda de um sobrinho.
A partir desse desejo aleatório da mulher simples, que vivia num sítio com o marido, o enredo explora, de maneira um tanto caótica, situações em que fica muito clara a precariedade de condições para a realização do filme dentro do filme, assim como uma auto-ironia sobre o “cinema bem-feito”.
Experiências nessa temática já deram muito certo, em outras condições - lembre-se apenas de dois exemplos, Ladrões de Cinema, de Fernando Coni Campos (1977), e Saneamento Básico, de Jorge Furtado (2007). Mas ali havia outras condições que aqui o diretor não alcança, nem em termos de proposta, nem de realização. Metalinguagem é coisa séria.
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