07/02/2025

O tempo em dois compassos

Recife - A programação de sábado (8) no Cine PE retratou duas formas de abordar o tempo, matéria-prima do cinema, com um longa impregnado de realismo mágico na sua condução temporal, Cordel do Amor Sem Fim, de Daniel Alvim, e um curta conectado na frenética estética gamer/tiktoker, Emocionado, de Pedro Melo.
O choque de posturas e linguagens é saudável e tem o poder de mexer com as platéias. Evidentemente, o público que lotava o Teatro do Parque respondeu muito mais prontamente e com maior energia ao curta, participante da competição pernambucana e com diversos amigos dos seus participantes presentes no Teatro do Parque.
Inspirado num texto teatral, de autoria da baiana Cláudia Barral e cuja montagem foi sucesso nos palcos de São Paulo com o mesmo elenco e direção, Cordel do Amor Sem Fim exigiu uma postura mais reflexiva e menos epidérmica do público para conectar-se com a trama, que tem ao centro três irmãs, Madalena (Helena Ranaldi), Carminha (Patrícia Gasppar) e Tereza (Márcia de Oliveira). Elas moram numa cidadezinha fictícia, Cidade Bonita, e têm seu cotidiano alterado quando a caçula, Tereza, recusa o esperado noivado com José (Luciano Gatti), disposta a esperar pela volta de Antônio (Marcelo Marothy) - que passou brevemente pela cidade e ela mal conhece.

Disparado esse gatilho, o longa viaja nos conflitos e expectativas dessas três mulheres, imersas numa espécie de cotidiano congelado em ausências, ambientado num cenário colorido que lembra filmes como O fabuloso de Amélie Poulain, de Jean-Pierre Jeunet, Uma mulher alta, de Kantemir Balagov, e O Grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson. Um artifício formal que colabora com a pretendida atemporalidade do drama dessas três irmãs, que levam uma vida aprisionada por um imobilismo que remete a uma outra referência teatral, do dramaturgo Anton Tchecov.

Tradução para o cinema

Na coletiva do filme, o diretor Daniel Alvim comentou sobre a dificuldade de transpor a peça para o cinema, uma linguagem com que ele, ator e diretor experiente no teatro, não estava familiarizado.
Duas dificuldades aumentaram o desafio dessa transposição: a limitação orçamentária do edital de financiamento e a pandemia, que atravessaram as filmagens, realizadas ao longo de 2021.
Decididos que estavam a manter o elenco e o texto original - que não foi modificado para o filme -, Daniel e Helena Ranaldi, atriz e produtora, tiveram que encarar dilemas como o adoecimento, por covid-19, do ator que interpreta o narrador, Rogério Romera. Por conta disso, o personagem, que deveria estar em cena desde a primeira sequência, que se passa dentro da casa das irmãs, teve que ser mantido distante. A opção foi deixá-lo na porta da casa, onde ele é visto logo no início do filme, produzindo um estranhamento. Alvim reconhece que isso cria uma dificuldade para a platéia, que leva mais tempo para identificar a função dele na história.
De todo modo, desde sua origem teatral, a história destas mulheres, em cuja vida a sexualidade é uma ausência, não pretende mesmo um realismo estrito, remetendo muito mais a arquétipos femininos em que se reafirmam a sororidade e o afeto. Na mesma linha, os homens do enredo assumem outros arquétipos que respondem a elas, num filme carregado de simbolismos e que se afasta do naturalismo - o que certamente exige um outro tipo de envolvimento por parte dos seus espectadores.