Dez dicas de filmes para desbravar no primeiro dia da Mostra
- Por Neusa Barbosa e Alysson Oliveira
- 17/10/2024
- Tempo de leitura 25 minutos
Selecionamos uma primeira lista de dicas de filmes para o dia inicial da programação normal da Mostra de SP, contemplando tanto obras premiadas quanto apostas em novos diretores
Apocalipse nos Trópicos
Apresentado no Festival de Veneza fora de competição, o novo documentário de Petra Costa dá continuidade às reflexões sobre o Brasil contemporâneo iniciadas em Democracia em Vertigem (2019), focalizando, desta vez, o impressionante crescimento da influência dos evangélicos na política brasileira e seu papel central na ascensão da extrema-direita e na eleição de Jair Bolsonaro.
Todo esse processo tem em destaque a figura do pastor Silas Malafaia, a mais nítida tradução da teoria do dominionismo, ou seja, da expansão dos evangélicos nos lugares de cultura e poder - da qual um sinal indiscutível é o aumento da bancada evangélica de 50 para 142 integrantes. Mesmo sem ocupar nenhum cargo político, Malafaia foi figura central na elaboração do discurso do candidato Bolsonaro e se comporta sempre como um porta-voz em movimentos como as críticas aos supostos excessos do Supremo Tribunal Federal, marcando uma mudança radical de posição de quem, em 2002, apoiou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula também tem participação no filme, que acompanha o processo de sua prisão e registra uma entrevista posterior, em que ele afirma acreditar que “o comunismo não deu certo por ter combatido a religião”. De todo modo, essa discussão está lançada e é da maior relevância para todo aquele que quer entender o Brasil de hoje.
Na entrevista coletiva em Veneza, a diretora Petra Costa e a produtora Alessandra Orofino declararam que sua intenção com o filme foi “deixar os personagens emitirem sua verdade”. Assim, o filme dá voz não só a Malafaia, mas ao Cabo Daciolo - visto no início do documentário abençoando as cadeiras do Congresso -, Sóstenes Cavalcanti e outros pastores e pastoras não detentores de mandatos, alguns críticos de Malafaia, além de alguns fiéis.
Como explica no documentário, em narração em off, a diretora, que tem uma formação laica, procurou pistas para compreender um fenômeno que, aliás, nada tem de espontâneo e de exclusivamente religioso. No filme lembra como ocorreu um processo de exportação para o Brasil do modelo de televangelismo norte-americano, do qual um dos expoentes foi o pastor Billy Graham e outros, e também a partir da vinda de jovens missionários já em meados dos anos 1960, expandindo a influência norte-americana, naquele momento em que os EUA se preocupavam com um suposto esquerdismo do governo João Goulart. Aliás, como lembra Petra em sua narração, “o comunismo é o grande fantasma no discurso desses evangélicos”.
Contribuiu também para o crescimento evangélico - passando de 5% para 30% da população brasileira - o combate que o papa conservador João Paulo II moveu contra a ação mobilizadora da Teologia da Libertação da Igreja Católica, esvaziando um movimento que tinha profunda penetração em camadas mais pobres da população e rincões distantes do País - e que se tornaram justamente o alvo da penetração da ação evangélica. (Neusa Barbosa)
ESPAÇO AUGUSTA 1 - 17/10 - 21H20
CINESYSTEM FREI CANECA 3 - 18/10 - 18H50
Dahomey
Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2024, o documentário Dahomey, de Mati Diop, acompanha a devolução de 26 peças históricas do Benin - de um total de 7000 -, roubadas durante o processo colonialista no final do século XIX e que estavam em museus franceses. A diretora acompanha não só o processo físico deste retorno das peças, de valor artístico, histórico e também religioso ao seu local de origem, como se permite um toque fantástico - como fizera em seu filme anterior, o premiado Atlantique - ao dar uma voz interior a uma dessas estátuas, que manifesta seus sentimentos em relação a esta volta ao lar.
Ao seguir as discussões de estudantes na Universidade de Abomei em torno desta retomada, Diop também assinala os contornos de uma cultura extremamente viva, de uma juventude africana disposta a tomar seu destino com as próprias mãos - um tema em que a diretora franco-senegalesa está à vontade e com propriedade. (Neusa Barbosa)
CINESESC - 17/10 - 19h
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 20/10 - 18h40
RESERVA CULTURAL 1 - 22/10 - 20h10
CINESYSTEM FREI CANECA 3 - 24/10 - 17h
Grand Tour
Voltando novamente à fotografia em preto e branco de Tabu (2012), Miguel Gomes desenvolve uma história de época, ambientada na Ásia em 1918, mas em que ele não tarda em tomar todo tipo de liberdades, inclusive em relação aos objetos de outras épocas vistos em cena, visando, como sempre, expor o artifício da própria arte, o cinema. Pela obra, ele venceu o prêmio de direção no Festival de Cannes 2024.
Novamente, o colonialismo está no centro da narrativa mas, desta vez, os personagens são ingleses - embora falem português, o que reforça a admissão do artifício como recurso válido para toda arte. Dois personagens dominam a história. Na primeira parte, Edward (Gonçalo Waddington), funcionário público na Birmânia (hoje Mianmar), que foge intempestivamente quando tem notícia de que sua noiva há 7 anos, de cuja fisionomia sequer se lembra, está chegando.
Ela é Molly (Crista Alfaiate), e, ao contrário do que se poderia esperar, não desiste de encontrar o noivo fugitivo, num périplo que passa por várias localidades pertencentes ao então imenso Império Britânico, como Bangcoc, Saigon, Manila, o Japão, Xangai e Wangyu, na China. Na segunda parte do filme, é Molly quem se acompanha por esses locais, que o filme revela em sua variedade humana e cultural, inclusive com narração nas línguas locais, tornando os dois ingleses coadjuvantes de um cenário muito mais diversificado e rico do que eles.
O filme é eficaz, inclusive formalmente, ao expor essa dicotomia entre colonizados e colonizadores, em que os segundos jamais compreendem a natureza dos primeiros - sequer o tentam, aliás -, sobrepondo-se a eles através de mecanismos de poder e manipulação, só tendo em vista os próprios desejos e obsessões. (Neusa Barbosa)
CINESESC - 17/10 - 20h40
CINEMATECA SALA GRANDE OTELO - 18/10 - 21h30
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 26/10 - 16h30
RESERVA CULTURAL 1 - 30/10 - 17h20
Vermiglio
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza 2024, o segundo longa da diretora italiana Maura Delpero ambienta-se em 1944, numa pequena aldeia ao norte do país. Trata-se de um retrato eficiente de um ambiente rural, no final da II Guerra, em que o casamento entre uma moça loca, Lucia (Martina Scrinzi) e um soldado desertor siciliano, Pietro (Giuseppe De Domenico) desencadeia um drama imprevisto.
Lucia é a mais velha de três irmãs, filha do professor Cesare (Tommaso Ragno), o homem mais culto e respeitado da cidadezinha. As outras irmãs são Ada (Rachele Potrich), uma adolescente descobrindo sua sexualidade e oscilando entre a culpa e uma religiosidade meio obsessiva, e a caçula Flavia (Anna Thaler).
Mesmo sendo um homem culto, o professor segue a mesma cartilha machista tradicional, decidindo obstinadamente o destino das filhas - Ada gostaria de continuar estudando, mas ele definiu que ela tem menos capacidade intelectual do que a menina Flavia, que é quem ele escolheu para continuar sua formação escolar. Lucia, a mais velha, já está destinada à vida doméstica e, em plena guerra, tem poucas probabilidades de casamento, motivo pelo qual se apega ao forasteiro Pietro como uma espécie de tábua de salvação, apesar da má reputação dos desertores.
A partir de um roteiro escrito por ela mesma, a diretora traça um retrato complexo da cidadezinha, individualizando um modo de vida fechado em si mesmo, limitado pelas montanhas em volta e o clima de invernos rigorosos, criando uma história de guerra longe dos campos de batalha mas não das suas cicatrizes e consequências. A segunda parte do filme, quando a guerra termina e Pietro deve voltar à Sicília para retomar contato com sua família, abre um novo capítulo nestes destinos, prestes a sofrer outras drásticas transformações. (Neusa Barbosa)
CINESYSTEM FREI CANECA 3 - 17/10 - 14h50
ESPAÇO AUGUSTA 1 - 18/10 - 16h30
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 20/10 - 16h20
CINESYSTEM FREI CANECA 2 - 24/10 - 19H50
Pequenas Coisas como Estas
A produção belgo-irlandesa do diretor Tim Mielants foi o filme de abertura do Festival de Berlim, em fevereiro, adaptando o romance da autora Clare Keegan, com roteiro de Enda Walsh e produção de Matt Damon e Ben Affleck.
Apesar do protagonista masculino, Bill Furlong (Cillian Murphy, Oscar de melhor ator por Oppenheimer), o filme é uma história que toca profundamente as mulheres - porque são elas as únicas vítimas de uma situação abjeta e antiga, que vigorava na Irlanda ainda naquele ano de 1985. Entre os clientes de Furlong, um comerciante de carvão, está o convento das irmãs Madalenas, em cujos corredores dezenas de mulheres e meninas, por supostamente terem cometido alguma falta moral imperdoável pelos cânones católicos - como engravidar fora do casamento ou prostituir-se - , eram obrigadas a trabalhar, de sol a sol, em virtual regime de servidão, em lavanderias que propiciavam lucro à congregação. Uma vez ali dentro, elas não tinham mais direitos, nem cidadania, nem possibilidade de redenção. Suas próprias famílias as entregavam e concordavam com esse horror.
Adotar para a história o ponto de vista de um homem pode parecer arriscado, ou mesmo errado, aparentemente, mas justifica-se porque este relato não pretende mostrar o interior do convento (o que foi feito em outro filme sobre o tema, Em nome de Deus, de Peter Mullan, em 2001). Aqui, o que se pretende é colocar em foco a crise moral, ética, de alguém do lado de fora, que tem conhecimento do que se passa entre aquelas paredes e se vê desafiado a tomar partido, a tomar uma atitude, saindo da passividade - e confrontando o risco de comprar briga com o indiscutível poder da Igreja Católica na Irlanda, que ultrapassava e muito a esfera moral.
Esse conflito central é enriquecido por ter sido colocado nas mãos de dois dos maiores atores britânicos, o irlandês Cillian Murphy e a inglesa Emily Watson - que interpreta a irmã Mary, superiora do convento e que mantém um verdadeiro duelo numa longa cena com ele em que fica claro como ela joga seu jogo de persuasão, com pleno conhecimento dos pontos fracos de todos os integrantes da comunidade. Um jogo que Emily, grande atriz que é, sustenta no rosto e na voz. Perfeita.
Mas há também as razões pessoais de Bill para sentir-se tocado pelo drama dessas moças, o que o filme coloca no seu devido tempo. Como foi observado por Emily Watson na coletiva em Berlim, “Bill não é um homem politicamente articulado; o que ele faz não é nenhum tipo de protesto”. O que lhe acontece é uma espécie de processo de supuração, de uma longa e sufocada convivência com uma dor pessoal, que ele projeta nessas mulheres e finalmente deve ter uma saída.
Indagado sobre o preço desse drama coletivo, que envolveu cerca de 10.000 mulheres entre 1926 e 1996 (quando finalmente terminou), Murphy declarou: “Não posso falar pela nação sobre o preço desse drama coletivo. Acho que tudo isso ainda está sendo processado. A arte pode ser um bálsamo nessa ferida”. (Neusa Barbosa)
KINOPLEX ITAIM 1 - 17/10 - 20h50
CINESESC - 18/10 - 19h15
CINESYSTEM FREI CANECA 2 - 22/10 - 13h30
ESPAÇO AUGUSTA 1 - 25/10 - 14h
Tudo que Imaginamos como luz
A jovem cineasta indiana Payal Kapadi, de 38 anos, já escreveu uma história no Festival de Cannes.
Em 2021, ganhou o prêmio Golden Eye de melhor documentário com A Noite de Não Saber Nada. Em 2017, seu curta Afternoon Clouds, foi o único representante indiano em Cannes, na seção Cinéfondation. Em 2024, ela venceu o Grande Prêmio do Júri com o longa Tudo que Imaginamos como luz.
Numa obra que se desenha com um toque feminista, ela retrata as histórias de três mulheres moradoras em Mumbai, todas migrantes de outros lugares. Duas são enfermeiras, Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha) que dividem o aluguel de uma pequena casa. A outra, Parvaty (Chhaya Kadam), trabalha na cozinha do hospital.
Montando uma narrativa minimalista, a diretora começa o filme com um trecho documental, mostrando imagens das ruas da grande cidade indiana, permeadas pela narração em off de diversos personagens cujas histórias certamente têm muito em comum com a destas protagonistas.
Retrata-se a rotina destas mulheres, destacando os desejos e frustrações de cada uma. Prabha é casada, mas seu marido vive longe, na Alemanha, e há cerca de um ano não mantém qualquer contato. Ela mergulha no trabalho para esquecer este drama íntimo, com o qual ela se acomodou. A chegada de um presente desse homem pelo correio desencadeia uma espécie de crise - o que deve fazer com este casamento, que foi arranjado, especialmente neste momento em que um médico (Azees Negumangad) demonstra interesse por ela?
Sua colega Anu, bem mais jovem, vive o dilema de manter um namoro escondido com um jovem muçulmano (Hridu Haroun). O motivo do segredo é não só a diferença de religião, mas o fato de que seus pais estão na iminência de arrumar-lhe um marido - e ela não consegue encontrar forças para enfrentá-los e romper a tradição.
A viúva Parvaty, por sua vez, tem problemas de outra ordem: vive há 22 anos numa casa da qual não tem documentos e está na iminência de sofrer um despejo, por mais que tente resistir contra isso.
Compondo uma espécie de sinfonia para estas três mulheres, Payal Kapadi traça um retrato inquietante da condição feminina na Índia, em que os costumes e tradições pesam violentamente sobretudo para estas personagens que vêm do interior, de pequenas vilas. O filme é extremamente lento e pode ser eventualmente dispersivo. Mas é certo que o semblante destas personagens, especialmente Prabha e Anu, ficam na nossa mente bem depois de encerrada a projeção. (Neusa Barbosa)
RESERVA CULTURAL 1 - 17/10 - 21h
CINESYSTEM FREI CANECA 1 - 19/10 - 13h
CIRCUITO SPCINE CFC CIDADE TIRADENTES - 24/10 - 19h
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 26/10 - 19h30
CIRCUITO SPCINE CEU TAIPAS - 30/10 - 19h
CIRCUITO SPCINE CEU BUTANTÃ - 30/10 - 19h
CIRCUITO SPCINE CEU TRÊS LAGOS - 30/10 - 19h
CIRCUITO SPCINE CEU SÃO MIGUEL - 30/10 - 19h
CIRCUITO SPCINE CEU CAMINHO DO MAR - 30/10 - 19h
Betânia
Foi realizando uma série documental que o cineasta paulista Marcelo Botta descobriu a beleza e a riqueza cultural dos Lençóis Maranhenses, o cenário de seu longa de estreia Betânia, que teve sua première mundial na seção Panorama do Festival de Berlim.
Uma personagem da série documental, a parteira e líder comunitária Maria dos Céus, foi também a inspiração para que Botta conhecesse diversas outras mulheres fortes da região, cujas entrevistas contribuíram na criação da protagonista de seu filme, Betânia (Diana Mattos), uma veterana parteira que enviúva e é pressionada pelas filhas a deixar sua casa, mas ela resiste em sua procura de se reinventar.
Em entrevista pelo zoom ao Cineweb, pouco antes de Berlim, o diretor observou: “As famílias se unem ao redor destas mulheres, é uma sociedade bem matriarcal. Muitas vezes, naquela região e no Nordeste brasileiro como um todo, os pais estão ausentes, então estas avós representam uma segunda mãe”.
As entrevistas fizeram parte de um processo de pré-produção do filme, que teve início em outubro de 2022, mas que acabou se estendendo, porque o diretor queria que o roteiro fosse escrito lá mesmo - o que lhe confere um caráter muito orgânico, já que se consolidou a partir de diversas contribuições dos moradores locais, muitos integrando também o elenco.
Com cerca de 60 momentos musicais, o filme extrai desse aspecto não apenas uma moldura, mas sim um recurso narrativo, que ajuda a contar a história daquela comunidade. Botta destaca a parceria com o músico maranhense Tião Carvalho - que atua no filme como o personagem Ribamar - , um pioneiro na introdução do bumba-meu-boi em São Paulo, que trouxe para o filme não só composições suas como de diversos outros artistas da região. Além disso, Botta inseriu músicas que ouviam lá durante as filmagens.
Um outro aspecto nítido em Betânia é retratar com riqueza de detalhes um pedaço do Brasil que não é tão conhecido, inclusive fora do País. Botta reflete: “Quem é de fora do Brasil tem algumas imagens como o sertão, a floresta amazônica e as grandes cidades, como Rio e São Paulo, que são bastante retratadas. Pouca gente entende que existe um lugar assim, feito de dunas de areia, que não é tão longe da floresta amazônica e onde se toca reggae mix e bumba-meu-boi, que mistura as culturas africana e indígena. O Maranhão tem muita originalidade, uma cultura com muita personalidade e a gente fica muito feliz de mostrar essa potência dentro do filme”.
Entra pelo meio da história a questão ambiental, quando se menciona que correntes marítimas trazem lixo à região dos Lençóis, o que encontra um enfrentamento no trabalho de Ribamar (Tião Carvalho), um pescador que coleta esse lixo e eventualmente até tira um som de objetos que encontra, como as garrafas. Botta afirma que quis entrar nessa questão de uma forma sutil: “Betânia e outros povoados são um lugar muito isolado, mas também refletem um problema que a gente vive na pele no mundo todo - a questão climática, o lixo. Através do personagem Ribamar, a gente consegue contar essa história de uma forma lúdica, sem pesar a mão na panfletagem. A denúncia ambiental eu achava que tinha que ser feita da forma mais poética possível para não afastar as pessoas com uma linguagem muito didática e panfletária”. (Neusa Barbosa)
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 17/10 - 19h30
CINESYSTEM FREI CANECA 1 - 24/10 - 15h
Quando a Luz Arrebenta
Vencedor da Mostra em 2015, com seu segundo longa, Pardais, o cineasta finlandês Rúnar Rúnarsson não se furta a investigar profundos impactos emocionais em seus personagens. Em seu novo filme, Quando a luz a arrebenta, um processo de luto que precisa ser sufocado – ou, ao menos, adiado – é o grande dilema da protagonista, a jovem estudante de arte Una (Elín Hall).
Ela está começando a viver um romance com seu amigo, Diddi (Baldur Einarsson). Eles têm sonhos e fazem planos para o futuro, mas, antes de tudo isso se concretizar, ele precisa terminar com sua namorada oficial, Klara (Katla Njálsdóttir). Antes mesmo de poder terminar o relacionamento, uma tragédia acontece: um túnel explode matando e ferindo centenas de pessoas que o atravessavam de carro. Diddi é uma das vítimas.
Concentrado em um único dia, e com 80 minutos muito bem aproveitados, o longa acompanha Una em sua via crucis silenciosa por não poder externar – ao menos não como mulher apaixonada – sua dor. Os amigos tentam se ajudar, e a chegada de Klara, que mora em outra cidade, tornam as coisas ainda mais difíceis para a protagonista.
De forma contida, mas eficiente, Rúnarsson acompanha como o grupo de jovens adultos navega pela longa jornada dia adentro em que, primeiro sem notícias, e depois abatidos pela perda do amigo precisam ajudar uns aos outros. O centro da narrativa é Una, cuja jornada interior é a questão central do filme.
Em suas aulas na faculdade de artes, a jovem precisa, entre outras coisas, aprender a atuar, e isso pode servir a ela nesse momento. Como manter seus sentimentos tão fortes internalizados, como ser solidária com Klara, quando ela, Una, é quem deveria estar nessa posição? Enquanto os outros amigos buscam formas de celebrar a vida de Diddi, as duas mulheres acabam involuntariamente se aproximando.
A paisagem gélida e a arquitetura de Reykjavik estão proeminentes, como se fossem uma materialização dos sentimentos das personagens. Duas imagens, no entanto, formam uma potente rima visual, no começo e no final do filme. Primeiro, as lâmpadas do túnel, onde logo depois acontece a explosão, e, por fim, o sol refletido em pequenas ondas. Nos dois casos, a câmera faz os mesmos movimentos, mas seus significados são totalmente diferentes – para os personagens e para o público. (Alysson Oliveira)
CINESYSTEM FREI CANECA 6 - 17/10 - 16:45
CINEMATECA ESPAÇO PETROBRAS - 24/10 - 15:45
RESERVA CULTURAL - SALA 1 - 25/10 - 22:10
CINESYSTEM FREI CANECA 1 - 27/10 - 20:30
Through the Graves the Wind is Blowing
Com o título tirado de uma canção antifascista em homenagem à Resistência Francesa, famosa na gravação de Leonard Cohen, o documentário de Travis Wilkerson é uma jornada que reverbera por temas urgentes do presente. O ponto de partida do filme são crimes horríveis ocorridos na Croácia, onde constantes assassinatos de turistas nunca foram resolvidos. O cineasta, que viveu no país, observa uma cidade devastada desde o fim da Iugoslávia e marcada pela ascensão do neonazismo.
Por um tempo, Wilkerson viveu em Split, na costa da Croácia, onde pretendia fazer um filme sobre o fim da Iugoslávia. O projeto nunca se concretizou, mas finalmente ele terminou realizando esse documentário inusitado, e, ao mesmo tempo, impressionante, assustador e eventualmente divertido.
Logo somos introduzidos a Ivan Peric, um detetive de polícia do departamento de homicídios, que não queria ser guia turístico, mas acabou envolvido involuntariamente com o turismo, ao investigar o assassinato de turistas. Wilkerson não demora a dizer que seu documentário não é sobre os crimes, ou sobre um serial killer. As cinco mortes narradas por Peric, no lugar onde ocorreram, não têm conexões, fora o fato das vítimas serem todas estrangeiras.
Ao mesmo tempo que acompanha Peric em seu “passeio” por esses lugares, o filme também mostra os grandes monumentos e obras da arquitetura soviética, hoje, abandonados e depredados – em especial por pichações de suásticas e de símbolos do partido nacionalista de extrema-direita Ustaše, colocado no poder à frente de um Estado-fantoche criado pelos nazistas após invadirem a Iugoslávia em 1941, que durou até 1945, ao ser derrotado pelos partisans.
A jornada do filme pela Croácia do século XX retratada no filme não se furta em evidenciar essa complexa relação do país com o fascismo.
Há ainda o campo de concentração de Jasenovac, o maior campo de concentração europeu que não foi construído pelos alemães. Por outro lado, Wilkerson traz histórias de resistência como a de Rade Koncar, membro da resistência na Segunda Guerra, cuja estátua em 2018 caiu sobre um neonazista que tentava depredar o rosto da imagem.
A voz doce e quase baixa de Wilkerson, que narra o filme, ganha uma espécie de tom confessional, como se ele estivesse procurando em seu público pessoas com quem compartilhar as histórias insanas que descobriu naquele lugar. Majoritariamente em preto e branco, o filme tem um tom ácido e dinâmico em sua observação de um país em constante transformação – embora possa parecer, num primeiro momento, que nunca superou seu passado. (Alysson Oliveira)
CINECLUBE CORTINA - 17/10 - 19:30
CINEMATECA - SALA OSCARITO - 19/10 - 17:50
CINESYSTEM FREI CANECA 4 - 28/10 - 19:20
Sujo
Escolhido pelo México como seu representante no Oscar do próximo ano, Sujo foi exibido no Festival de Sundance, no qual conquistou o Grande Prêmio do Júri na competição de World Cinema. Tornando-se mais proeminente a partir dos anos de 1990, esse tipo de filme parece seguir uma lógica de cinema de arte não-estadunidense que, geralmente, trata de questões sociais e/ou históricas que, de certa forma, tocam na consciência do norte global.
Escrito e dirigido pela dupla Astrid Rondero e Fernanda Valadez, Sujo marca quase todos os quesitos nessa lista. O filme é protagonizado por um menino, Sujo (primeiro interpretado por Kevin Aguilar, quando criança, e, depois, um pouco maior, por Juan Jesús Varela), filho de um sicário, que acaba morto por um cartel de drogas.
O filme começa exatamente com a história desse homem, ainda criança, apaixonado por cavalos, sonhando em ser livre como o animal, mas cuja trajetória será marcada pela violência. O sonho, de certa forma, se transfere para seu filho, que, numa cena impressionante, acompanha o pai numa missão, embora o menino não saiba ao certo o que está acontecendo. Mas isso é a normalização da violência na vida do garoto.
Quando o homem não aparece, o menino se preocupa. Sem saber que seu pai matou o filho de um chefão do tráfico, o pequeno Sujo também se torna um alvo procurado. A partir daí o longa acompanha a trajetória do garoto, enquanto ele cresce, numa vida marcada por tentações pelo caminho do crime, e o encontro com uma professora, Susan (Sandra Lorenzano), que o encoraja a trilhar outra vida.
A câmera de Ximena Amann segue o menino de perto, acompanhando suas ansiedades e medos. Os roteiristas-diretores não o poupam nesse mundo sórdido e perigoso onde ele está inserido, por mais que tente fugir. E, de certa maneira, o filme é um diálogo entre duas gerações: a do pai e de Sujo em busca de escapar do determinismo de uma vida violenta e no crime. (Alysson Oliveira)
CINEMATECA SALA GRANDE OTELO - 17/10 - 19:00
CINEMATECA ESPA«O PETROBRAS - 21/10 - 15:40
ESPAÇO AUGUSTA SALA 2 -24/10 - 13:30
CINESYSTEM FREI CANECA 6 - 26/10 - 15:10
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- 25/10/2024