O Nordeste eterno se infiltra em "Agreste", do diretor Sérgio Roizenblit
- Por Neusa Barbosa, do Recife
- 07/09/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
Recife – Não deixa de ser uma ousadia um diretor paulistano, no caso, Sérgio Roizenblit, assinar um filme tão nordestino em cenário e dramaturgia quanto Agreste, o concorrente do Cine PE apresentado nesta noite de quarta (6-9). Mas a verdade é que a fonte de inspiração foi uma peça de um autor nordestino, Newton Moreno, que fez muito sucesso no teatro em S. Paulo, na versão dirigida por Márcio Aurélio. E houve uma preocupação estrita em manter total fidelidade ao universo e aos sotaques do Nordeste, filmando no sertão e escalando um elenco totalmente nordestino – encabeçado por Aury Porto e Badu Morais, que vivem o casal em fuga de uma história que deve tanto a Romeu e Julieta quanto a Vidas Secas, em cuja fotografia, aliás, Roizenblit afirmou se inspirar, para ser fiel à luz peculiar do sertão.
Homenageado nesta edição do festival, ao lado de sua mulher, Lucy, o autor da fotografia de Vidas Secas, o produtor Luiz Carlos Barreto, assistiu ao filme e o declarou “herdeiro das sementes do Cinema Novo”. Elogio maior não poderia haver.
Mas a verdade também é que Roizenblit não é estranho ao Nordeste, tendo filmado aqui seu documentário O Milagre de Santa Luzia (2009), que acompanhava viagens musicais de Dominguinhos. Além disso, o diretor paulistano participou do projeto Cais do Sertão, tendo sido através de viagens para ele realizadas que conheceu as locações de Agreste, em Quixada e Curaçá, na beira do rio São Francisco.
Equipe do filme "Agreste": atriz Luci Pereira (esq.), curador/mediador do debate Edu Fernandes, cineasta Sérgio Roizenvlit e atriz Badu Morais | Crédito: Neusa Barbosa
Ancestralidades
Numa produção muito cuidada tecnicamente, da fotografia assinada por Humberto Bassanello à trilha musical de Dante Ozzetti, o filme vincula-se a uma dramaturgia clássica, amparada num texto arcaico que remete a questões ancestrais. Como explicou Roizenblit na coletiva: “A peça é atemporal, o texto, arcaico. Fizemos uma opção por situar o filme em meados dos anos 1980, mas sem ênfase demais. A discussão aqui é a intolerância”.
Luci Barreto e Luiz Carlos Barreto, homenageados pelo festival | Crédito: Cine PE
A intolerância, no caso, liga-se mais a questões de gênero e comportamento, que vão se delineando ao longo da história d o casal Etevaldo (Aury Porto) e Maria (Badu Morais). Ela foge de casa para juntar-se a ele e os dois encontram abrigo na casa de uma senhora, Valda (Luci Pereira), que os acolhe como filhos, demonstrando um carinho que nega à própria filha, que pôs para fora de casa quando engravidou.
Este hiato de tranquilidade caminha para um final turbulento, em que outras pulsões vão expressar-se – e aí se enxerga outra inspiração, a de Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa.
Metalinguagem
Entre os curtas da noite, o destaque foi o pernambucano Quebra Panela, em que o diretor Rafael Anaroli, um assumido autodidata, faz graça com a perturbação que uma equipe de filmagem provoca ao instalar-se numa pequena localidade – no caso, Condado, a cidade do interior pernambucano de origem do diretor. Encabeça o elenco ninguém menos do que a mãe de Anaroli, Maria do Carmo, demonstrando um talento inato como uma manicure que reage à sua maneira à invasão de sua casa e redondezas pela turma do cinema.