Cine PE começa em ritmo de frevo mas recorda a ditadura chilena
- Por Neusa Barbosa, do Recife
- 05/09/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
Recife - O Cine PE já começou em seu primeiro dia, nesta segunda (4), em ritmo do frevo mais animado, embalado pelo filme inicial da competição, o documentário Frevo Michiles, de Helder Lopes, que entrega o comando da narrativa ao tradicional compositor de frevos J. Michiles, 80 anos e energia de menino, parceiro de Alceu Valença e cujas composições foram gravadas por Maria Bethânia, Daniela Mercury, Chico César e muitos outros. Ao final da sessão, no belo cinema do Teatro do Parque, em Recife, a platéia toda se levantou, cantou e dançou junto com os créditos finais.
J. Michiles, protagonista do documentário "Frevo Michiles"
O clima festivo sucedeu a apresentação de um filme de abertura, fora de competição, de tom bem mais sério, o drama político Ainda somos os mesmos, em que o diretor gaúcho Paulo Nascimento revisita e recria em parte as memórias de um personagem real, seu amigo e advogado João Carlos Bona Garcia, que era um jovem brasileiro exilado no Chile de Salvador Allende durante o golpe de setembro de 1973, do general Augusto Pinochet – que ali instalou uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina.
Edson Celulari, ator do filme de abertura, fora de competição, "Ainda somos os mesmos", de Paulo Nascimento
O filme focaliza o impasse vivido ao longo de várias semanas pelas centenas de pessoas refugiadas na embaixada argentina, entre eles, o jovem Gabriel (Lucas Zaffari), um estudante que tivera que deixar o Brasil por motivos políticos e cujo pai, um poderoso empresário brasileiro (Edson Celulari), era não só simpatizante como colaborador da ditadura militar brasileira então e opositor da militância do filho. Ao ver sua vida em risco, no entanto, o pai empenha-se em usar seus contatos militares para tentar salvá-lo, ocupando o centro de uma negociação cujos meandros ele não domina. No elenco, figuram ainda Carol Castro, Nicola Siri e Gabrielle Fleck.
Ainda somos os mesmos, que empresta seu nome de um verso da famosa canção de Belchior, Como Nossos Pais, interpretada no final, tem estreia prevista para 14 de março nos cinemas. E, como afirmou o diretor Paulo Nascimento na apresentação do filme e também no debate desta manhã de terça (5), pretende ser um lembrete de como as ditaduras podem voltar a ameaçar as democracias latino-americanas e outras – um temor que ele revela ter sido sempre alimentado pelo amigo Bona Garcia e que ele, Nascimento, considerava “paranoico” até a ascensão de Jair Bolsonaro no Brasil.
Sobrevivente de toda a aventura arriscada na embaixada argentina e, sobretudo, de uma saída tensa do Chile com intermediação da ONU, Bona Garcia morreu em 2020, de covid-19, antes de ter acesso à vacinação, um outro efeito dos descalabros do desgoverno Bolsonaro, como aponta o diretor do filme e é lembrado em seus créditos finais.
O Cine PE prossegue nesta terça com o início da competição de curtas nacionais e pernambucanos e a exibição do longa Porto Príncipe, ficção catarinense dirigida por Maria Emília de Azevedo, no cinema do Teatro do Parque, no centro de Recife. A programação é gratuita e pode ser acessada no site do festival.
Fotos: Neusa Barbosa