19/01/2025
Drama

De Corpo E Alma

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Em De Corpo e Alma, um dos personagens centrais é o fictício diretor do Joffrey Ballet de Chicago: um ítalo-americano chamado Alberto Antonelli (Malcon McDowell). Diz a lenda que o personagem é baseado no verdadeiro criador e coreógrafo dessa companhia, Gerald Arpino. Para brincar com a intertextualidade, no filme o chefão é chamado apenas de Sr. A. Mas, na verdade, essa brincadeira vai muito além disso. O verdadeiro Sr. A está por trás das câmeras. Ele não manda e desmanda, nem tem ataques de estrelismo como o personagem. Na verdade, é muito mais sutil com sua equipe, deixa que eles trabalhem de forma solta, e, assim, o cineasta Robert Altman construiu mais um filme empregando seu estilo único, que, embora muito copiado, funciona realmente bem só nas mãos dele.

O projeto deste longa, embora se encaixe como uma sapatilha sob medida nos moldes de Altman, surgiu na mente da atriz Neve Campbell. Bailarina desde criança, ela sempre sonhou em fazer um filme em que pudesse mostrar essa habilidade, além de homenagear sua paixão. Embora o cineasta não tenha aceitado de início participar do projeto, aos poucos ele foi vislumbrando algo mais próximo do seu estilo.

Longe de ser a primeira vez que aborda o universo artístico, mais precisamente o processo criativo - basta dar uma olhada em O Jogador, Nashville, Vincent e Theo -, Altman está mais próximo de um documentarista, com a sua câmera que procura pelos muitos personagens, e são eles que entram na ação. Dessa forma, o cineasta vai criando um retrato - embora, tendencioso - desse microcosmo. Retratando cenas de dança com precisão e beleza. Mesmo aqueles que não têm muita afinidade com balé não deixam de ficar boquiabertos.

Mas como em seus outros filmes existe um espaço maior para o elemento humano que está por trás do artístico do que a arte em si. Afinal, são os artistas que fazem as obras. Cobrindo o período de aproximadamente um ano na companhia de balé, vêem-se carreiras nascerem e outras serem destruídas, disputas de ego, surgimento de romances e a concepção e desenvolvimento de um grande projeto que não fica claro se dará certo ou não.

Porém, se enquanto em O Jogador e Prête-à-Porter existe uma crítica ácida ao mundo do cinema e da moda, respectivamente, De Corpo e Alma é um retrato agridoce de um mundinho fechado que quase nunca chega ao grande público. Essa atitude "em cima do muro" fica clara enquanto o grande espetáculo é montado. Em alguns momentos o cineasta parece estar rindo dos devaneios do coreógrafo, em outros, parece corroborar com aquilo que mais parece um delírio criativo do que uma peça de balé. Mas é inegável que em todo o longa há um carinho muito grande por todas aquelas pessoas envolvidas e os seus trabalhos.

E há vida longe dos holofotes - principalmente para Ry (Neve). Se nos filmes de Altman não existe aquele conceito básico de protagonistas e coadjuvantes, pode-se dizer que esta personagem carrega o maior peso dramático. E além do trabalho como bailarina, há o seu envolvimento amoroso com o cozinheiro Josh (James Franco), ao som da bela My Funny Valentine, com interpretações de Elvis Costello, Chet Baker, entre outros.

Talvez o maior desafio para um diretor que faz um filme sobre balé seja escalar atores que conheçam bem a dança, ou escalar bailarinos que saibam atuar. Em De Corpo e Alma, o Sr. A preferiu fazer com que seus atores reais tivessem uma interpretação parecida com a dos não-atores, e assim encontrar um equilíbrio entre eles. E, embora seja nítida a falta de experiência de maior parte do elenco em frente às câmeras, eles encantam quando calçam suas sapatilhas.

As cenas de balé são tecnicamente memoráveis, não só a dança em si, como também o trabalho de câmera e fotografia. Desde os créditos iniciais, sedutoramente belo com uma coreografia que envolve enormes fitas, pode se ter certeza de que Altman e seu diretor de fotografia, Andrew Dunn, sabem o que estão fazendo. Além disso, a montagem de Geraldine Peroni é tão bem orquestrada que nunca é curta demais para não se apreciar a dança, nem longa a ponto de ficar entediante.

Em sua primeira obra após a indicação ao Oscar por Assassinato em Gosford Park, o Sr. A do cinema mostra que ainda domina aquele tipo de filme que o consagrou: vários personagens, todos falando ao mesmo tempo, interagindo uns com os outros, de certa forma caótico, como na vida.
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