16/01/2025
Drama

Nocaute

Vindo de um orfanato, Billy Hope superou todos os traumas, tornando-se um boxeador de sucesso. Atingido por uma tragédia, ele encara a decadência. Sua obsessão é voltar ao topo e recuperar sua família.

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No boxe, assim como em outros esportes, ser canhoto é uma vantagem, por ser um fator surpresa contra adversários que não estão acostumados com a inversão dos movimentos. Os boxeadores canhotos, geralmente, usam a posição southpaw para lutar, na qual mantêm o pé e mão direitos à frente, para que o seu melhor soco, o da mão esquerda, venha de trás com maior força para derrubar o oponente.
 
O termo está no nome original do novo filme de Antoine Fuqua, Nocaute (2015), no qual Southpaw exerce vários sentidos: além de ser o modo como o protagonista, interpretado por Jake Gyllenhaal, luta, vai de encontro com a ideia de que o “destino” preparou uma série de surpresas ao personagem e que este surpreende a todos após a sua “queda”. Já o título brasileiro é mais apegado a esta sequência de socos que a vida, ou melhor, o roteirista Kurt Sutter aplica em seu protagonista.
 
A sensação de déjà vu que pode ter acometido o leitor no último parágrafo é a mesma de quem assiste ao filme. Em um subgênero que, por si só, é previsível, tendo Touro Indomável (1980) como a principal exceção, mas que ainda assim tem apelo popular, falta neste longa o diferencial de Menina de Ouro (2004), O Lutador (2008) e O Vencedor (2010), ficando em exemplos recentes bem-sucedidos. No quesito Oscar, porém, a produção pode conseguir uma indicação com a performance de Gyllenhaal, ainda mais porque a Academia deve isto a ele, por ter desprezado o ator em O Abutre (2014) na última edição.
 
Mesmo assim, em sua mistura das fórmulas dos filmes de boxe com a tragédia e o melodrama, Nocaute faz com que o espectador – com exceção daqueles que já vão com a defesa armada por não gostarem do ator, do diretor ou do gênero – baixe a sua guarda e queira acompanhar atentamente o que acontecerá com Billy Hope, um protagonista cujo clichê já começa no sobrenome, que significa “esperança” em inglês.
 
Criado em um orfanato, onde conheceu sua mulher Maureen (Rachel McAdams, em uma personagem mais forte do que a plateia está acostumada a ver), ele encontrou em sua companheira para todas as horas e no boxe um meio de escapar e traçar uma nova trajetória. O campeão dos meio-pesados vive o seu próprio sonho norte-americano, morando com a família em uma bela mansão, com seus cinturões e seu empresário (Curtis "50 Cent" Jackson não atrapalha em seu tipo inescrupuloso) prestes a fechar um lucrativo contrato para as próximas lutas.
 
Até que um incidente – o qual não será detalhado aqui, embora o trailer da produção entregue tudo – degringola uma espiral de decadência e Hope precisa fazer de tudo para voltar ao boxe e à companhia de sua filha Leila (Oona Laurence). Contudo, para isso, ele tem de controlar sua natureza autodestrutiva, que se manifesta em seu próprio estilo de luta. Para mudar, o boxeador conta com a ajuda de Tick Wills (Forest Whitaker em um bom trabalho, embora muito parecido com vários de seus papéis), treinador de uma pequena academia de amadores e juniores.
 
Neste longa, Fuqua trabalha em terreno já conhecido, já que a violência e testosterona fazem parte de sua filmografia, que tem em Dia de Treinamento (2001) seu ponto alto. Por isso, não se frustra ao colocar a câmera subjetiva em alguns momentos nas cenas de luta, como se pusesse o espectador em um videogame para socar o adversário. A fotografia de Mauro Fiore – mais sombria fora do ringue do que sob os holofotes dele – e a montagem de John Refoua colaboram para esta sensação. No entanto, o editor não evita uma queda de ritmo no segundo ato, após um envolvente primeiro terço de exibição dedicado à apresentação de Billy e sua relação com a mulher.
 
Em seu primeiro roteiro no cinema, o criador das séries The Shield – Acima da Lei (2002-2008) e Sons of Anarchy (2008-2014) não se arrisca e falha ao recorrer ao clichê de um rival que tem de ser necessariamente sujo, concebendo um tiroteio um tanto apressado e absurdo. Ainda sim, a humanidade dos personagens de Sutter cativa a plateia e, neste sentido, há que se destacar o bom trabalho da jovem Oona Laurence e o papel fundamental de Jake Gyllenhaal. Uma das atrizes mirins do musical da Broadway Matilda, a garota já mostrou ótimas performances em filmes indies, como o curta Penny Dreadful (2013), disponível na internet, e se mostra uma intérprete a se observar.
 
Quanto à estrela do filme, é preciso dizer que o rapper Eminem, além de ser o responsável pelo início da produção junto com Sutter, daria vida originalmente ao protagonista, mas desistiu para se dedicar mais à sua carreira musical. O cantor, porém, contribui com duas músicas na trilha, na qual o rap não chega a chamar tanta atenção quanto as melodias melodramáticas de James Horner, compositor ganhador do Oscar, falecido em junho.
 
Gyllenhaal, que não hesitou em, depois de perder 13kg para O Abutre, recuperar e ganhar mais massa muscular em seis meses de treinamento para adquirir um físico de lutador. Todo seu esforço transparece na transformação vista na tela e, fora um ou outro maneirismo, o ator é o grande responsável por conduzir a história e fazer o espectador se compadecer de um cara que poderia ser facilmente odiado. Pode não ser o suficiente para ganhar os prêmios que ele parece buscar tanto, mas é o bastante para dar a Nocaute a satisfação que o público procura.
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