Há em Decisão de Risco, de Gavin Hood (Infância Roubada), alguns momentos que lembram Dr. Strangelove..., de Stanley Kubrick – especialmente aqueles que acontecem em torno de uma mesa de discussão. O fato de nenhum personagem dizer nesse filme: “Senhores, essa é a Sala de Guerra. Vocês não podem brigar aqui” é um indicador de que o diretor não mira na sátira escrachada como o clássico de Kubrick – mas, nem por isso, deixa de encontrar o humor (involuntário e negro) que emerge de uma situação tensa.
Com roteiro assinado por Guy Hibbert, o longa acompanha momentos apreensivos envolvendo a decisão de bombardear ou não uma casa onde há um grupo de terroristas em Nairóbi, no Quênia. A construção do suspense se dá em diversos níveis, como a hierarquia que deve aprovar ou não a ação.
A personagem central – se é que há um protagonista aqui, dado o equilíbrio da narrativa – é a coronel Katherine Powell, interpretada por Helen Mirren. Ela está no comando de uma operação que visa capturar uma inglesa que se envolveu com terroristas do Shabab. Perseguindo a mulher por anos – sem sair da Inglaterra, e usando a mais avançada tecnologia – a militar encontra a situação perfeita para prender seu alvo. Primeiro, no entanto, precisa da confirmação de que essa é realmente quem procura.
A situação, porém, complica-se quando, por meio de um besouro mecânico com uma câmera acoplada, sua equipe “entra” na casa onde estão a mulher e outros terroristas, e descobre que eles preparam um ataque suicida – há coletes e bombas preparados num cômodo. Simplesmente prendê-los não é mais viável. Sua ideia é bombardear a casa usando um drone – comandado por um militar nos Estados Unidos (Aaron Paul).
Mas a coronel não pode simplesmente dar a ordem – apesar de saber contar com o apoio dos governos dos EUA, Inglaterra e do próprio Quênia. Há uma cadeia de autorizações necessárias, e que precisam ser obtidas rapidamente – pois os terroristas se aprontam para sair da casa rumo a um local presumivelmente repleto de gente.
O primeiro a quem ela contata é um tenente-coronel (Alan Rickman, morto em janeiro passado, aqui em um dos seus últimos trabalhos). Ele está reunido com um grupo de políticos e assessores (entre eles Jeremy Northam e Monica Dolan), e também depende da autorização deles, que, por sua vez, não querem arcar com o peso desta decisão sobre suas costas. Pois o ataque à casa, numa região com outras casas e alguma circulação, certamente terá efeitos colaterais – leia-se, vítimas fatais que não têm nada a ver com os terroristas. Assim, com o tempo cada vez mais apertado, a coronel espera uma decisão – e cogita tomá-la por conta própria – para explodir a casa.
A contraposição feita por Decisão de Risco é exatamente entre a precisão dos equipamentos modernos – o drone pode jogar o explosivo num ponto exato escolhido – e o fator humano, passível de erro ou decisões pouco racionais, pautadas pela emoção. Helen Mirren, numa de suas melhores performances, é controladora, numa personagem repleta de poder, mas, nem por isso, destituída de uma dose de humanismo, o que não a torna uma pessoa agradável. Seu pragmatismo não é de todo incompreensível, embora nem sempre se concorde com ele. Rickman – mostrando porque fará tanta falta –, por outro lado, é mais humano e tenta entender tanto os argumentos dela quanto os das outras pessoas à sua volta.
No início dos anos de 1990 – ainda no calor dos acontecimentos –, o filósofo francês Jean Baudrillard escreveu um texto chamado A Guerra do Golfo não Aconteceu. Seu argumento envolve, entre outras coisas, não apenas o mundo pós-Guerra Fria, como também as tecnologias que possibilitam a virtualização do real (um tema caro ao seu pensamento). A questão que aproxima seu artigo de Decisão de Risco é exatamente a de que os conflitos contemporâneos podem ser lutados à distância. Aqui, militares ingleses e americanos (agindo confortavelmente sentados em cadeiras em seus próprios países) determinam todos os passos de um conflito num terceiro continente. O único a correr um risco real é um personagem interpretado pelo ótimo ator somali Barkhad Abdi (Capitão Phillips) que está num mercado em frente à casa, controlando o besouro mecânico com um aparelho.
Mais de duas décadas atrás, Baudrillard disse que “ao contrário das guerras anteriores, nas quais os objetivos políticos eram conquistar ou dominar, o que está em jogo nessa guerra é a própria guerra: seu status, seu significado, seu futuro”. Decisão de Risco mostra o quão premonitório foi o texto do filósofo, evidenciando como uma cadeia burocrática – de países ricos – toma medidas, faz escolhas sobre ataques em sua maior parte nos países pobres. Não poderia haver um filme mais alarmante, mas também, mais revelador de nosso presente.