16/09/2024
Drama

Nóis por nóis

"Café", Mari, Japa e Gui são jovens amigos da Vila Sabará, periferia de Curitiba. Vivem driblando as dificuldades econômicas, o cerco do traficante local e as abordagens violentas da polícia. Tudo vai mudar drasticamente quando "Café" organiza uma festa.

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O novo filme de Aly Muritiba, dividindo desta vez a direção com o educador Jandir Santin, é o que se pode chamar de mais um exemplar de um cinema de emergência. Dando voz e visibilidade a jovens moradores de Vila Sabará, periferia de Curitiba, os diretores criam uma obra que tem parentesco com titulos recentes, como Sócrates e Meio-irmão, que indagam uma realidade social perversa contra quem tem o endereço, a cor, a identidade sexual e a condição social “errados”, ou seja, fora dos círculos sócioeconômicos privilegiados. 
 
Encharcado desta realidade, o roteiro aproveita a experiência direta no local do educador Jandir e elege como seu elenco atores naturais da região, assumindo os papeis que, na vida, eles conhecem de cor. Café (Mateus Correa) é um garoto que organiza uma festa na associação de moradores, com a ajuda da namorada Mari (Ma Ry), exímia nos desafios de rap. A história romântica dos dois é tumultuada pelo ciúme do ex- dela, Shat (Felipe Shat), e pela pressão do traficante Nando (Luiz Bertazzo, um dos raros profissionais do elenco), que exige fazer seus “negócios” na festa. Fora isso, a violência policial ronda sempre de perto, com abordagens violentas constantes dos PMs liderados pelo cabo Rocha (Otávio Linhares) contra os garotos.
 
Está desenhado o cenário para que quaisquer sonhos dos adolescentes não tenham como criar raízes. Para estes jovens, existir é uma tarefa inglória. Andar nas ruas, um risco permanente. Construir um futuro, uma abstração. A gravidez inesperada de uma menina vira uma pressão para seu namorado recorrer ao crime. E até as instituições presentes ali parecem não corresponder à altura às necessidades prementes do contexto local. Até mesmo a escola, que, nesse fogo cruzado, ensina sobre o distante desembarque na Normandia, na II Guerra Mundial, parece alheia ao que realmente se passa fora de suas paredes.

Boa parte do filme é montada em cima do crescimento da tensão, após o desaparecimento de um dos personagens, abrindo caminho à discussão sobre esta violência permanente. Tal como em seu filme anterior, Ferrugem, Muritiba discute o peso da tecnologia e a internet na intimidade de seus protagonistas, embora aqui o contexto seja totalmente diferente. Os meninos de classe média daquele filme podiam dar-se ao luxo de ter dilemas existenciais, até porque viviam num ambiente protegido socialmente. Aqui, os celulares nas mãos dos garotos podem tornar-se instrumentos para sua morte. Não dá para assistir ao filme sem um nó na garganta. 

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