Assistida mais de 50 anos após sua realização, O Baile dos Bombeiros sustenta-se além de uma leitura política datada, podendo ser vista como uma comédia bem azeitada, repleta de personagens comuns e facilmente identificáveis e nunca desrespeitados, apesar de toda a ironia. Sua fragilidade e emoções perfeitamente humanas são sempre capazes de despertar senão empatia, pelo menos, compreensão.
Uma associação de bombeiros decide homenagear seu integrante mais velho, que está doente. Mas, desde os preparativos, tudo começa a dar errado. Os brindes da rifa começam a sumir. As candidatas do concurso de beleza fogem. E um incêndio acontece nas proximidades.
- Por Neusa Barbosa
- 24/06/2020
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Indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 1969 - dois anos depois de sua realização -, O baile dos bombeiros, de Milos Forman, mira na comédia de costumes e acerta na política. Não à toa, virou alvo dos censores do regime comunista na antiga Tchecoslováquia após a invasão dos tanques soviéticos destruidores da liberalização da chamada “Primavera de Praga”. Censores são conhecidos tanto pela megalomania como por não terem senso de humor e alimentarem uma permanente desconfiança contra qualquer sintoma de crítica ao regime, que é exatamente o alvo do roteiro, escrito a quatro mãos por Forman e Ivan Passer.
A inspiração parte de uma experiência real dos dois, enquanto se refugiaram numa cidadezinha do interior em busca de sossego para desenvolver um novo script, depois do sucesso de Os amores de uma loira (1966), igualmente indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Os roteiristas injetaram na história todo o frescor da vida interiorana, matizando situações sentimentais, cômicas e patéticas com equilíbrio - de modo que nunca se sente que estão rindo dos personagens, e sim, com eles, compartilhando de sua fragilidade.
A situação de partida é um baile na associação de bombeiros para homenagear um veterano de 86 anos, presidente honorário da brigada - que está com câncer mas supostamente não sabe. Seus colegas preparam a festa, cuja organização começa a dar errado desde o início, quando as prendas da rifa desaparecem misteriosamente da mesa no salão onde estavam à vista de todos.
Não é maior a sorte dos organizadores com as candidatas ao tradicional concurso de beleza. Todos estes homens, idosos ou madurões notoriamente com a libido em atraso, tentam de tudo para atrair as moças mais bonitas e voluptuosas para uma seleção a portas fechadas, onde costumeiramente aplicam o “golpinho do traje de banho”. Sem sucesso.
A noite avança, assim, entremeada de incidentes, aos quais não falta nem mesmo um incêndio - fora do baile, mas requerendo, obviamente, a participação dos bombeiros. Assim como as inúteis tentativas de manter o formalismo da festa, esta situação do incêndio expõe as vísceras de uma sociedade provinciana, obcecada em manter aparências, esgarçando um sistema que não funciona nas mínimas coisas. Tudo isto foi visto pelos censores como “um retrato negativo da Tchecoslováquia”, evidenciando a tolerância zero do regime para a mais leve crítica.
Salvou o filme o fato de que o diretor francês François Truffaut encontrou para ele uma distribuição internacional, entrando no posto abandonado pelo produtor italiano Carlo Ponti - que saíra de cena depois do problema com as autoridades tchecas. Forman e Passer, inclusive, exilaram-se depois nos EUA, onde Forman teve uma carreira repleta de êxitos, como Um Estranho no Ninho (1975), Hair (1979), Amadeus (1984), O povo contra Larry Flint (1996) e O Mundo de Andy (1999).