Em seus dois longas de ficção, Transeunte, e, agora, Breve Miragem de Sol, Eryk Rocha investiga o isolamento do homem contemporâneo na grande cidade, que tende a achatar sua subjetividade, transformando-o em “apenas mais um”, embora ele lute para ser “ele mesmo”. Em ambos os filmes, o protagonista tem um olhar privilegiado sobre o mundo que o cerca, sobre as pessoas e a relação delas com o mundo.
Aqui, o protagonista é Paulo, interpretado por Fabrício Boliveira (prêmio de melhor ator no Festival do Rio 2019), que começou a trabalhar como taxista noturno para conseguir pagar a pensão do filho, Mateus (Cadu N. Jay). Seu olhar é tenso, preocupado e melancólico, sempre à espera do próximo passageiro ou passageira. O roteiro, assinado pelo diretor, Julia Ariani e Fabio Andrade, é colado o tempo todo nesse homem de vida comum, cujo grande sonho é poder estar de novo com o filho, que está viajando com a ex-mulher – e talvez nunca volte.
Rocha constrói seu filme em pequenos detalhes em torno dos passageiros que entram no carro, ou nas ruas e calçadas do Rio de Janeiro. Na primeira cena, entram no carro de Paulo um grupo de jovens playboys indo de uma balada para outra enquanto o dia nasce. É um retrato que beira o clichê da elite – mas não é a elite em si um clichê ela mesma? – mas que já estabelece o tom do protagonista. O entra-e-sai do carro é intercalado com conversas com colegas de trabalho, mensagens mandadas para o celular da ex-mulher e uma espera infinita pelo filho. Mais tarde, acaba se envolvendo com uma passageira, a enfermeira Karina (Bárbara Colen).
O diretor tem um olhar curioso e carinhoso para essas personagens da classe trabalhadora num país onde cada vez são mais jogadas para escanteio. Isso, novamente, está nos detalhes do filme: moradores de rua, a situação precarizada do trabalho de Paulo, que embora não dirija um Uber, exerce um trabalho que faz parte do processo de uberização da mão-de-obra.
Trabalhando com o diretor de fotografia Miguel Vassy (também premiado no Festival do Rio), o diretor coloca a noite, na qual Paulo sempre trabalha, quase como uma personagem com suas luzes artificiais perdidas ao longe, e a escuridão que a todos engole. Assim, faz de Breve miragem de sol um filme com atualidade e uma pungência sutil, que cresce na medida em que o protagonista enfrenta seus fantasmas.