Em DNA, a atriz e diretora francesa Maïween faz seu filme mais pessoal, beirando o autobiográfico, sobre uma mulher fazendo as pazes com sua herança social e cultural. Embora exista um teste de DNA (um tanto duvidoso), num momento da narrativa, o título, obviamente, deve ser tomado metaforicamente, como o indício de tudo aquilo que acumulamos de nossos ascendentes, não apenas o material genético.
Com um elenco estelar – que vai de Fanny Ardant a Marina Vacht, e incluindo Louis Garrel, e a própria Maïween –, o longa investiga as relações internas e sócio-políticas de uma família após a morte do patriarca, um imigrante argelino, Emir Fellah (Omar Marwan), cujos dias finais e funeral são o ponto de partida para o longa.
Depois de emigrar para a França, mais de meio século atrás, ele se instalou nos subúrbios de Paris, onde viviam diversas famílias vindas do norte da África. Sua morte desencadeia, nos descendentes, uma série de questionamentos sobre sua identidade, que se define, basicamente, como francesa. A questão é mais complicada para Neige (Maïwenn), a neta de quem era mais próximo, uma mãe solo depressiva, que se sente incomodada pela falta de laços pessoais com sua herança argelina.
O assunto nunca é bem-vindo na família. Quanto mais ela tenta abordá-lo, a discussão, que muitas vezes acaba em briga, é dirigida a outras questões menores, detalhes que dissipam a possibilidade de encarar o tema de frente. Neige fez um álbum com fotos e memórias do avô, um livro que é discretamente ignorado pela família. Ela, então, fica obcecada pelo tema, assistindo e lendo tudo o que pode sobre a Argélia. Tudo isso leva a um teste de DNA para saber a porcentagem de descendência argelina, e um pedido de cidadania.
A família dela, por sua vez, nunca consegue entender-se – especialmente no que diz respeito ao funeral de Emir. Com a mãe (Ardant), Niege tem um relação complicada, e não é muito diferente com os irmãos (Florent Lacger, Henri-Noël Tabary). Passando por uma fase aguda de depressão, a protagonista é jogada no meio do furacão que envolve gritarias e agressões verbais que beiram as físicas.
Como bem mostrou em seu Polissia, Maïween é uma cineasta que orquestra o caos. Em DNA não é diferente. Mas a isso ela adiciona uma camada bastante contemporânea: a identidade. Somos a somatória de todos que vieram antes, e isso não é uma equação com a qual é fácil de lidar. Na família Fellah, como qualquer outra, a questão chega com suas expectativas, ideias e mesmo preconceitos. O peso de todos esses fatores é determinante como cada um responde aqui à sua ancestralidade.
Nem sempre o caos do longa funciona, eventualmente perdendo-se o foco. O roteiro, assinado pela diretora e o ator Mathieu Demy, às vezes, gravita rumo a personagens e discussões que não têm tanto a acrescentar, e diminui sua força. De qualquer forma, o final, triunfante, da protagonista é uma cena de beleza e otimismo. DNA fez parte da seleção do Festival de Cannes 2020, que, mesmo não acontecendo, divulgou a lista das produções selecionadas que seriam exibidas no evento.