Intercalando materiais de arquivo com encenação dramática, o premiado diretor israelense Amos Gitai coloca o dedo numa imensa ferida da história de seu país: o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995.
Traumático como foi esse acontecimento, cometido por um jovem radical religioso judeu, Yigal Amir, a volta a uma abordagem do tema por Gitai não poderia ser mais oportuna, em vista da atual guerra na Faixa de Gaza. Foi justamente a partir daquele momento em que, morto o político trabalhista que se aproximara dos palestinos e assinara os Acordos de Oslo, a ascensão de Benjamin Netanyahu se consolidou - e a criação de um Estado Palestino se tornou uma alternativa cada vez mais distante, assim como a paz.
É importante que se note que o filme não foi feito no calor dos recentes conflitos em Gaza, e sim em 2015, quando concorreu no Festival de Veneza. Mas já era visível, naquele momento, o quanto o rumo tomado por Netanyahu, acelerando a instalação de assentamentos judeus em terras palestinas, na Cisjordânia - contrariando frequentes resoluções da ONU - e o sufocamento de Gaza, cujo fornecimento de água, eletricidade e internet dependem de Israel, levariam a frequentes crises e enfrentamentos, até o atual e sangrento impasse.
Mesmo quando recorre a dramatização, usando atores, Gitai procura reconstituir fatos - como o trabalho de investigação do Comitê Shamgar, que ouviu diversas testemunhas do crime, constatando inacreditáveis falhas no esquema de segurança em torno de Rabin naquele dia, em que ele e Shimon Peres participaram de uma manifestação pública em Telavive. Falhas essas injustificáveis, tendo em vista o quanto Rabin se tornara, nos últimos tempos, alvo de protestos incendiários, que o pintavam como “traidor” e pediam abertamente sua morte - vários deles, com a participação pessoal de Netanyahu.
Um desses vacilos, especialmente, foi fatal: o assassino infiltrou-se na área próxima à rota de saída de Rabin para seu carro, permanecendo ali cerca de 40 minutos, sem ser percebido ou revistado, até que avistasse o político, desferindo-lhe os três tiros que o mataram.
A esse componente investigativo das circunstâncias do assassinato, o diretor soma a dramatização das origens e da radicalização do assassino (Yogev Yefet), um dos colonos da Cisjordânia àquela altura retirados à força de suas ocupações ilegais pelo exército de Israel. Sua radicalização seria obra de alguns rabinos extremistas, que chegaram a ser investigados na esteira do crime, mas foram inocentados pelo procurador-geral à época por falta de provas - um detalhe que chama a atenção dos membros do Comitê, ainda que estes se mostrem empenhados em não fazer um julgamento político, como se isso fosse possível.
O roteiro, assinado por Gitai e sua habitual colaboradora, Marie-Josée Sanselme, esmera-se num detalhamento quase exaustivo das principais circunstâncias que levaram ao assassinato de um líder que procurou a paz e não tinha medo das consequências - sua viúva, Lia Rabin, é ouvida num segmento, comentando como ele não temia os seus compatriotas e que não usaria jamais um colete à prova de balas.
Embora não se coloque pessoalmente, fica muito claro por seu filme a importância dada por Gitai a este acontecimento traumático e como as omissões em torno daquele julgamento levaram à situação atual, de guerra permanente. Desta maneira, o filme soma-se a uma obra frequentemente dedicada a analisar aspectos da realidade instável do Oriente Médio, em que se destacam O Dia do Perdão (2000), Éden (2001), Kedma (2002), Terra Prometida (2004), Free Zone (2005) e Aproximação (2007).