04/10/2024
Drama

Samsara - A jornada da alma

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Vencedor do Prêmio Especial do Júri da seção Encounters do Festival de Berlim 2023, o filme do galego Lois Patiño é um convite a uma imersão espiritual, pontuada por belas imagens e a suavidade que o tema delicado requer. 

 

É dividido, basicamente, em duas partes. Na primeira, apresenta-se a história de uma velha senhora, Mon (Simone Milavanh), que se prepara tranquilamente para sua morte próxima, no Laos. Ela passa seus dias em sua casa, em repouso, ao mesmo tempo que recebe visitas diárias de um adolescente, Amid (Amid Keomany), que vem ler-lhe o Livro Tibetano dos Mortos - cujos ensinamentos constituem um guia à passagem a uma outra vida e devem ser lidos, necessariamente, por outra pessoa para aquela que se prepara para morrer. 

 

Nada há de sinistro nesta situação, que é encarada com muita naturalidade neste ambiente budista. Nas conversas com o jovem visitante, a senhora Mon, aliás, demonstra muita serenidade, permitindo-se comentários sobre como não considera nenhum tipo de punição caso venha a reencarnar num animal na próxima vida.  

 

Trazendo para mais perto a situação mística, o filme retrata igualmente um ambiente de jovens monges, um deles amigo de Amid, retratando-os como indivíduos completamente comuns, entregues às suas atividades diárias e também divertindo-se numa cachoeira ou explorando seus celulares - como fazem quaisquer adolescentes ao redor do mundo. Com esse recurso, o diretor parece querer eliminar a barreira entre a vida espiritual e a material que a cultura ocidental tantas vezes ergue, procurando uma naturalidade que seria a essência da própria vida e da morte - e da qual também fazem parte os sonhos. 

 

Quando a velha senhora morre, insere-se no filme também uma espécie de intervalo, em que, com a tela escura, convida-se os espectadores a fecharem os olhos e compartilharem a jornada transcendental de Mon à sua próxima encarnação. Nesse intervalo, de cerca de 15 minutos, ouve-se sons diversos, de vozes, animais e objetos, enquanto se percebem oscilações na luz projetada da tela, como se realmente se estivesse voando ou atravessando umbrais sobrenaturais. É aqui, também, que o filme assume uma vocação cinematográfica pura, já que se confia à imaginação de cada espectador a gama de sensações que ele ou ela pode evocar a partir da experiência sensorial. 

 

Na segunda parte, o cenário transferiu-se a Zanzibar, na Tanzânia, observando-se uma comunidade majoritariamente feminina que se dedica à coleta de algas marinhas, das quais se fabricam cosméticos. Aqui, uma menina, Mariam (Mariam Vuaa Mtego), ganha como presente de sua mãe uma cabrinha recém-nascida, que ela batiza de Veema e, de agora em diante, será carregada por ela por todo o canto, como um bichinho de estimação. O foco nas andanças da menina e de sua cabrinha pelas praias e bosques revela um outro modo de vida e também sugere a pergunta: o que foi feito da senhora Mon? É neste ambiente, então, que ela agora reencarnou? Não há grande segredo na resposta.  

 

Apesar das diferenças entre os dois ambientes, a sensação maior é de que a vida continua e se expressa com mais limpidez nestas comunidades, que o diretor inegavelmente admira e homenageia com um filme pleno de sugestões. 

 

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