O diretor Jean-Luc Godard desconstrói o gênero noir neste filme policial produzido em 1966, de forma quase simultânea a Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela. O trabalho nasceu de um pedido do produtor Georges Beauregard para que o cineasta rodasse um filme de baixo orçamento cuja renda ajudasse a financiar Duas ou Três Coisas..., pois estava com problemas financeiros por causa da censura de La Religieuse, de Jacques Rivette.
Godard mantém uma bela personagem feminina, como é comum no estilo noir - a jornalista Paula Nelson (Anna Karina) -, mas subverte o gênero com uma narrativa completamente caótica, pontuada por muitas citações políticas e verdadeiros discursos contra o capitalismo, questionamentos sobre direita e esquerda e uma crítica feroz à publicidade, que ele denuncia como fascista. Há também uma influência de Howard Hawks em À Beira do Abismo, claro que ao modo de Godard, que pretendia recriar a figura do detetive Marlowe, interpretado por Humphrey Bogart, com uma mulher, no caso Anna Karina.
A fotografia de Raoul Coutard é um dos destaques, representando bem aquele agitado período que culminaria com Maio de 68, psicodelismo, art-pop: cores fortes, slogans políticos e enquadramentos que lembram história em quadrinhos.
Anna Karina é Paula Nelson, uma jornalista que chega à cidade de Atlantic City (mas na França) para descobrir as circunstâncias e os responsáveis pela morte de seu namorado, Richard Politzer. Sua morte parece ter motivação política, com envolvimento de gângsters e policiais corruptos. Um chefão do crime organizado com quem se encontra acaba assassinado num quarto de hotel e ela é uma das suspeitas. Um sobrinho do criminoso, o escritor David Goodis (Yves Afonso) - mais uma reverência ao cinema noir, emprestando o nome do consagrado romancista americano para seu personagem -, a ajudará na procura do assassino do homem que pode ser também o responsável pela morte de Richard.
Referências ao assassinato de John Kennedy e à crise política na Argélia misturam-se à trama policial, mesmo que não tenham nenhuma relação com a história. Na verdade, a história propriamente dita não interessa tanto assim ao diretor. Para Godard, fazer cinema não se resume a contar histórias. "Eu me considero um ensaísta e escrevo ensaios sob a forma de romances, ou romances sob a forma de ensaios. Hoje eu sou muito mais crítico do que era na época da Cahiers du Cinéma. A única diferença é que ao invés de escrever críticas, eu as filmo", disse numa entrevista.