Dias teria pedido um pagamento de R$ 100.000,00 pelo uso de algumas canções – uma despesa inviável para uma produção de orçamento restrito a R$ 1 milhão, que seria maior do que o custo de finalização do desenho. Correndo o risco de inviabilizar o filme, Otto reescreveu o roteiro e conseguiu a cooperação dos outros dois ex-Mutantes, Arnaldo Baptista e Rita Lee, que cederam o uso de algumas de suas canções – caso de “Eu Vou Me Salvar” e “Hulla-Hulla”, da autoria de Rita e Elcio Decário. Além disso, foram convidados para completar a trilha alguns grupos de rock do sul, como Júpiter Maçã.
Tanto trabalho se explica até a trama de Wood & Stock... tem tudo a ver com música, como não poderia deixar de ser. Os dois ex-hippies do título continuam fiéis ao ideal da paz e amor que os embala desde os anos 70. Mas agora, no princípio do século 21, eles se transformaram em dois cinqüentões carecas e barrigudos. Wood se casou com Lady Jane e tem um filho, Overall – que é em tudo o oposto do pai, um obcecado por computadores. Um dia, Lady Jane cansa da vagabundagem do marido e embarca numa viagem de redescoberta mística junto ao malandro guru Rhalah Rikota.
Na ausência da mulher, Wood cai na gandaia com o velho amigo, Stock. No meio de uma bebedeira, os dois acabam tendo uma visão: o profeta Raulzito (uma homenagem ao roqueiro Raul Seixas, com a voz do baiano Tom Zé). A partir daí, eles se inspiram para recriar a banda de rock que tinham há 30 anos atrás. Nessa aventura, sobram humor escrachado e espertas homenagens ao universo pop – como ao famoso retrato dos Beatles atravessando a rua em seu álbum “Abbey Road” (1969).
Antes mesmo de estrear nos cinemas, o filme já entrou para a história: tornou-se o primeiro desenho animado no Brasil a receber a classificação para maiores de 18 anos do Ministério da Justiça, no começo deste ano, por fazer, supostamente “apologia às drogas”. No desenho, Wood, Stock e seus amigos fumam maconha, que é chamada de “orégano”. O próprio diretor, Otto Guerra, pediu redução da censura do filme para 16 anos. O pedido foi atendido, possibilitando ao desenho alcançar um público maior.
Além de escapar da censura de 18 anos, Otto Guerra também teve sua adaptação aprovada por Angeli, que acompanhou a primeira exibição do desenho no Cine PE – Festival do Audiovisual, em Recife, em abril, onde o filme recebeu três prêmios: Especial do Júri, melhor trilha sonora e melhor atriz coadjuvante para Rita Lee, que dubla a voz da personagem Rê Bordosa. Angeli, aliás, deu total liberdade para que Otto recriasse seus quadrinhos à sua própria maneira, limitando-se a algumas colaborações no roteiro, assinado por Rodrigo John.