07/09/2024
Político Drama

Batismo de Sangue

No final dos anos 60, um grupo de jovens frades dominicanos decide apoiar a guerrilha que combatia a ditadura militar no Brasil. Eles acabam sendo presos pelo temido delegado Sérgio Paranhos Fleury, de São Paulo, e submetidos a intensa tortura. Fleury acaba tramando também a execução de Carlos Marighella, um dos mais procurados líderes da guerrilha.

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Histórias sobre a ditadura brasileira (1964-1985) formam uma das fontes de inspiração do cinema brasileiro atual. Depois do sucesso e premiações de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger – que chegou a competir no Festival de Berlim 2007 -, chega às telas nacionais o drama político Batismo de Sangue.

Dirigido pelo mineiro Helvécio Ratton, o filme, que recebeu os troféus de melhor direção e fotografia no Festival de Brasília 2006, adapta o livro homônimo de memórias do religioso e escritor mineiro Frei Betto - como é conhecido o frade, jornalista e escritor Carlos Alberto Libânio Christo, ex-assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Batismo de Sangue, o livro, venceu o Prêmio Jabuti de melhor livro de memórias em 1982.

Exibindo cenas de tortura com uma franqueza que o cinema nacional não registrava há muito tempo - desde filmes como Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco, e Pra Frente Brasil (1982), de Roberto Farias -, Batismo de Sangue aborda um período que começa em 1968, quando um grupo de jovens frades dominicanos aderiu à luta armada contra o regime militar. Sem o conhecimento da cúpula da Igreja Católica, estes religiosos faziam contatos e davam apoio à fuga de guerrilheiros de esquerda, em pleno governo do general Emílio Garrastazu Médici, o mais duro entre todos os generais-presidentes do período.

Entre os frades engajados, estavam Frei Betto (Daniel Oliveira) e Frei Tito de Alencar (Caio Blat) – que terminou suicidando-se na França, em 1973, depois de sofrer um longo processo de depressão, causado pelas torturas sofridas sob as ordens do delegado Sérgio Paranhos Fleury (Cássio Gabus Mendes), do temido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo.

O projeto desta filmagem começou em 2002, quando Frei Betto enviou ao diretor Helvécio Ratton seu livro Batismo de Sangue com uma dedicatória: “Coragem! A realidade extrapola a ficção”. Também ajudou Ratton o fato de ter militado na luta armada nos anos 70. O futuro cineasta chegou a viver exilado no Chile por alguns anos. Ao voltar ao Brasil em 1973, foi preso e passou alguns meses em celas escuras, isolado e, às vezes, completamente nu e encapuçado, como ele relata no livro Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas, de Pablo Villaça, da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Todo esse conhecimento de causa que Ratton, inegavelmente, possui não se traduz, porém, num filme de impacto. Batismo de Sangue coloca sua ênfase mais num retrato de época externo aos personagens (os automóveis, os figurinos, os óculos), falhando em colocar o espectador no centro de seus sentimentos e motivações. Constata-se que alguns frades dominicanos aliaram-se à luta armada, mas nunca se entende como e porquê. Disso resulta um trabalho estranhamente distanciado justamente numa época da história do Brasil em que explodiam todas as paixões, a política inclusive. Há, também, um visível desequilíbrio nas interpretações – cada ator parece estar seguindo seu próprio caminho.

O episódio mais dramático do enredo é a operação secreta que levou à prisão dos dominicanos. Sob intensa tortura, um deles acabou fornecendo ao delegado Fleury a informação sobre um futuro contato com uma das figuras mais procuradas pelas autoridades, Carlos Marighella (Marku Ribas), fundador e dirigente da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Com base nisso, Fleury montou a emboscada que culminou com a execução de Marighella, numa rua em São Paulo, em novembro de 1969.

Além disso, o temido delegado – que morreu num misterioso acidente, em 1979 – armou um verdadeiro circo pela mídia, destinado a fazer os dominicanos serem vistos publicamente como traidores. Dada a morte de Marighella, o episódio tinha uma conotação inegável perante os grupos de esquerda, os intelectuais e a opinião pública em geral. Além de quebrar a espinha da oposição mais aguerrida contra o regime que defendia com os métodos mais condenáveis – como a tortura -, Fleury queria também desmoralizar a igreja militante perante todos esses grupos. Essa é a discussão mais oportuna que o filme coloca. E, pela oportunidade e urgência deste tema no Brasil de hoje, talvez seja o caso de perdoar-lhe eventuais falhas na execução.

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