Estômago é uma fábula gastronômica para adultos que gira em torno de uma cadeia alimentar na qual é preciso ser predador para não se tornar presa. Ao protagonista – vivido com sagacidade pelo ator João Miguel (Cinema, Aspirinas e Urubus) – resta descobrir esta complicada dinâmica para poder sobreviver na selva de pedra de São Paulo, valendo-se de suas habilidades culinárias.
Ganhador de vários prêmios no Festival do Rio 2006 – entre eles de público, ator e diretor -, o filme conta também no elenco com Babu Santana (Maré – Nossa História de Amor), Carlo Briani (Oriundi) e do músico e ator Paulo Miklos (O Invasor).
Estômago é uma comédia de humor negro que encontra uma certa ternura em meio às bizarrices de um mundo distante do glamour da metrópole paulistana. A narrativa divide-se em duas frentes, na verdade, duas trajetórias do mesmo personagem, Raimundo Nonato (Miguel). Migrante nordestino ingênuo e cheio de boa vontade, ele chega a São Paulo, como é de praxe, buscando de uma vida melhor. Arruma emprego de faxineiro num bar.
Paralelamente, vemos que Raimundo vai preso – o motivo só será revelado nos últimos minutos do filme. Essa suspensão da narrativa, pegando dois pontos distantes, cria uma certa tensão e muita curiosidade, graças ao fato de que o diretor e co-roteirista Marcos Jorge sabe como dosar as idas e vindas.
A subida rumo ao ‘sucesso’ de Raimundo acontece pelo detalhe de ele ser exímio cozinheiro, um verdadeiro talento natural. Depois de conquistar um público cativo num bar com seus salgadinhos, ele consegue emprego melhor num fino restaurante italiano.
Na prisão, também não tarda que seus colegas descubram seus dotes culinários. Com alguns temperos e muita boa vontade, ele é capaz de melhorar até mesmo a horrível comida da prisão, o que lhe garante um certo status com seus colegas de cela. É o primeiro passo para sua ascensão.
Em sua vida antes da cadeia, Raimundo conhece também os prazeres do amor e do sexo com a prostituta Íria (Fabiula Nascimento). É uma relação de amor meio doentia na qual a comida, novamente, tem um papel fundamental. A moça é boa de garfo e encontra no chef o companheiro ideal para saciar suas fomes.
Estômago marca a estréia em longas do curta-metragista Marcos Jorge, diretor de Corpos Celestes. Seguro de suas opções estéticas, o cineasta sabe que a estilização pode caminhar de mãos dadas com um registro mais realista e que, metaforicamente, a história de Raimundo é a mesma de muitos nordestinos que desembarcam no sudeste. Enfim, ele é uma espécie de versão masculina de Macabéa, a protagonista de A Hora da Estrela, interpretada por Marcélia Cartaxo. Mas como os tempos são outros, seu destino pode ser bem diferente.