Em seu primeiro filme falado em inglês, quando tinha apenas 32 anos, o diretor polonês Roman Polanski criou um dos maiores clássicos do thriller psicológico. Vencedor do Urso de Prata do Festival de Berlim de 1965, com um elenco reduzido, na maior parte do tempo em um único cenário, é um filme devastador sobre o mergulho na loucura de uma jovem reprimida sexualmente.
Neste pesadelo em preto-e-branco, Carol (Catherine Deneuve) é uma jovem belga que divide um apartamento com sua irmã Helen (Yvonne Furneaux) em Londres. Duas personalidades distintas: Helen, exuberante, está apaixonada por um homem casado, Michael (Ian Hendry), e Carol, belíssima, mas distante e tímida, é uma manicure com uma vida medíocre e sem nenhuma empolgação com as investidas de um jovem galanteador, Colin (John Fraser).
Polanski, utilizando a excelente música de Chico Hamilton, passeia com a câmera quase lenta, indo de espaços abertos para o cada vez mais claustrofóbico apartamento, onde a presença do amante da irmã perturba enormemente a rotina de Carol. Com seu espaço vital invadido por roupas e objetos masculinos, como a navalha guardada junto à sua escova de dentes, ou pelos sons noturnos vindos do quarto de Helen, Carol começa a ir de encontro aos seus mais profundos medos e fantasias. Insegura e dependente do apoio emocional da irmã, apavora-se com as férias programadas pelos amantes. Mas Helen, excitada com a possibilidade de desfrutar alguns dias ao lado do amado, não percebe a aflição de Carol. A carga emocional de Carol começa a intensificar-se.
Sozinha no apartamento e já sem condições de trabalhar, a manicure passa seus dias e noites vagando pela casa, que começa a espelhar o seu estado de alma. É repulsiva a imagem de um coelho, cru e já temperado, abandonado num prato em cima da outrora mesa do telefone. Ou, ainda, as batatas apodrecendo sobre a pia da cozinha. Os delírios de Carol começam a ser mais freqüentes. Ao som do tic-tac do relógio, intercalado pelo sino do convento vizinho, a jovem imagina estar sendo estuprada por um homem. Ou, então, é agarrada por mãos que saem das paredes a cada vez que atravessa o corredor. Neste ambiente aterrador, aparecem Colin, preocupado com o sumiço da mulher que ama, e o proprietário do apartamento (Patrick Wymark), que vai cobrar o aluguel atrasado. Não poderiam escolher um momento pior. Na volta das férias, Helen e Michael encontram uma Carol catatônica num apartamento destruído, como que por um furacão.
O final é intrigante. Polanski em momento algum se preocupa com explicações. Apenas nos leva, cada vez mais fundo, ao mundo da esquizofrenia. Talvez o fato do diretor ter imposto um jejum sexual a Catherine Deneuve durante as filmagens, ajudou-a a criar esta personagem fascinante e ter uma das suas melhores interpretações em toda a carreira. O público só tem a agradecer ao "anão malvado", como o genial diretor é tratado por seus críticos. Mas o epíteto tem também um lado sombrio. Se é verdade que o filme, vencedor do Grande Prêmio do Júri e do Prêmio Fipresci no Festival de Berlim 1965, estimulou a trajetória ascendente do diretor, que faria depois O Bebê de Rosemary, Chinatown, O Inquilino, O Pianista - teve sua imagem indelevelmente manchada pelo indiciamento pelo estupro de uma menor, nos EUA, em 1977. Desde então, ele tem vivido na França, onde nasceu e não escapa a reações de repúdio, a última delas na cerimônia de premiação do César, em 2020.