Na filmografia do diretor chinês Wong Kar Wai, Cinzas do Passado (1994) sempre foi uma espécie de estranho no ninho. Filme de artes marciais de proporções e orçamento épicos, com os atores mais famosos de seu país, foi lançado depois de muito tempo na ilha de edição e fez a fama do cineasta pelo mundo. Ali ele já mostrava temas e obsessões que se tornariam o centro de sua obra.
Quase 15 anos depois, Wong revisitou o longa, lançando-o numa nova versão, agora com o subtítulo “Redux”. Embora esta seja a segunda versão do filme, foi a primeira a chegar ao circuito brasileiro – com sete minutos a menos que a original.
Cinzas do Passado é, em sua essência, um filme de artes marciais, mas não o feito da forma convencional do gênero, mas à moda de Wong Kar Wai, que posteriormente dirigiria filmes como Amores Expressos (1994), Felizes Juntos (1997) e Amor à Flor da Pele (2000). Em seu cerne está um tema sempre recorrente na obra do diretor, o do homem tentando lidar com o passado e esperando, de certa forma, controlar o tempo.
“A raiz dos problemas dos homens é a memória”, diz um personagem no começo do filme. Amores mal resolvidos e corações partidos conduzem a trama, mas o que menos importa em Cinzas do Passado – Redux é a narrativa. O que conta é a forma como Wong sinestesicamente mistura sensações.
Uma sinopse simples de Cinzas do Passado – Redux reduziria o filme como a história do ex-espadachim Ou-yang Feng (Leslie Cheung, de Felizes Juntos) que vive no deserto desde que foi rejeitado pela amada (Maggie Cheung, de Clean), que preferiu casar-se com seu irmão. Ele se torna um intermediário para pessoas que procuram assassinos de aluguel. No entanto, o contato com os clientes também o transforma.
Essas histórias também envolvem amores frustrados, perdas e dores. Entre os visitantes estão Huang Yaoshi (Tony Leung Kar-fai, de Eleição – O Submundo do Poder), o melhor amigo de Ou-yang, que lhe faz visitas anuais. Será ele quem trará uma garrafa com um suposto vinho mágico com o poder de apagar as lembranças de quem o bebe. Mas o espadachim recusa. Em Cinzas do Tempo – Redux, a visão, uma das formas como encaramos o mundo, é uma metáfora recorrente que também se mostra frágil e ilusória: um espadachim fica cego (Tony Leung Chiu Wai, de Amor à Flor da Pele) depois de uma briga; outro personagem enxerga com dificuldade. Há também um casal de irmãos, Yin e Yang (ambos interpretados por Brigitte Lee), idênticos, cujas aparições servem igualmente para situar a dualidade da identidade masculina e feminina.
O amor, o passado, o desejo de controlar o tempo, a ânsia de mudar o passado – algo impossível – são os temas preferidos de Wong. Ele os retomará mais tarde, especialmente em filmes como Amor à Flor da Pele e 2046 – Os Segredos do Amor. Aqui é possível encontrar o embrião de um estilo que o consagraria.