22/03/2025
Drama

A bela que dorme

Senador italiano enfrenta um problema familiar ao passar pela dramática escolha de desligar os aparelhos que mantêm viva sua mulher, em coma. Ele recebe a oposição da filha, que se torna uma militante pró-vida, mas se apaixona por um rapaz que tem posições opostas.

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Desde o seu longa de estreia, De Punhos Cerrados (1965) – realizado quando tinha apenas 26 anos -, o diretor italiano Marco Bellocchio define os pontos cardeais de um universo temático, que vem explorando ao longo de mais de cinco décadas com notável liberdade de pensamento e coerência: a família, a religião e o poder instituído, seja na política, na polícia ou no sistema hospitalar.

O pessoal e o coletivo unem-se, mais uma vez, em A Bela que Dorme, que competiu pelo Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2012. A história parte de um evento real, o caso Eluana Englaro, moça que ficou por 17 anos em coma na Itália e cujo pai lutou na justiça para desligar os aparelhos que a mantinham viva, em 2009.
 
Sem citar o nome de Eluana, mas remetendo claramente à batalha judicial e parlamentar que sacudiu a Itália em torno da eutanásia, Bellocchio afasta-se cada vez mais dos acontecimentos reais, usando-os como pretexto e pano de fundo para ficcionalizar e falar do que lhe interessa. Ou seja, de como o institucional pesa sobre a vida pessoal e vice-versa, em prejuízo da liberdade de pensamento e ação.
 
Toni Servillo interpreta Uliano Beffardi, um senador que passou pela dramática escolha de autorizar o desligamento dos aparelhos da própria mulher, ganhando a oposição da filha, Maria (Alba Rohrwacher) – que se torna uma militante pró-vida, mas se apaixona por um rapaz que defende posições opostas, Roberto (Michele Rondino). Agora, o senador agora deve votar contra ou a favor de um projeto de lei que procura restringir a liberdade de decisão de familiares em caso da manutenção do suporte de vida a pacientes cronicamente incapacitados.
 
Isabelle Huppert atua como a Divina Madre, uma grande atriz que abandonou a carreira para cuidar da filha jovem, presa a um coma sem solução à vista. Maya Sansa, atriz de Bom dia, Noite, aqui é Rossa, uma drogada que tenta suicidar-se, impedida por um médico, o persistente dr. Pallido (Pier Giorgio Bellocchio).
 
O veterano Roberto Herlitzka (o Aldo Moro em Bom dia, Noite) interpreta um político e psiquiatra, a quem cabem alguns dos melhores diálogos deste filme profundamente contemporâneo e rico em significados, ao qual não falta uma ironia da melhor qualidade, fora a criatividade visual. As sequências que mostram os políticos numa espécie de sauna, envolvidos em panos brancos, lembrando os antigos senadores romanos, diante da televisão que acompanha a votação do projeto de lei, estão entre algumas de suas melhores imagens.
 
A marca do mestre em ação está na segurança com que Bellocchio maneja as diversas posições em jogo sem procurar impor suas certezas sobre o público. Este enfoque plural permite que A Bela que Dorme escape da camisa-de-força que cerca os chamados “filmes de tese”, até porque ele não elege nenhuma.
 
Na Mostra Internacional de São Paulo em 2012, Bellocchio venceu o prêmio de melhor filme para o júri de críticos. Em Veneza, foi premiado como revelação o ator Fabrizio Falco, que interpreta o irmão do militante Roberto, que tem problemas psicológicos e atormenta a rotina de sua família.
 
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