Incrível história verdadeira do século 18, a saga da vingança dos 47 ronins pela morte de seu senhor, lorde Asano, é a mais encenada do teatro japonês. No cinema não ficou atrás, com pelo menos 85 versões, a primeira de 1907 (sem contar as adaptações televisivas).
Um oportuno lançamento da Versátil reúne num box três das melhores versões cinematográficas – que servirão, sem dúvida, como termo de comparação para a fantasiosa, e não raro estapafúrdia revisita de Hollywood ao tema, no filme estrelado por Keanu Reeves (47 Ronins, de Carls Rinsch).
Quem quiser realmente conhecer a história, deve ficar com os clássicos, como o de Kenji Mizoguchi, A Vingança dos 47 Ronins, a produção mais antiga da caixa, lançada em 1941, em plena II Guerra Mundial. Com quase quatro horas de duração e dividida em duas partes, a versão de Mizoguchi baseia-se na peça teatral de Seika Mayama, com cenografia do futuro diretor Kaneto Shindo (A Ilha Nua). Prima pelo respeito à verdade histórica, num relato que enfatiza o espírito de sacrifício dos principais personagens.
O conflito surge de um ataque de lorde Asano (Yoshizaburo Arashi) a lorde Kira (Montoyo Mimasu), chefe do protocolo do xogum há 40 anos, depois de ser afrontado em sua honra. Lorde Kira escapa ferido e Asano é condenado a cometer seppuku – o que pode determinar o total desaparecimento de seu clã, transformando seus samurais em ronins (sem mestre).
O enredo acompanha o lento e meticuloso preparo da vingança, por Sezaemon Oishi (Chojuro Kawarasaki), administrador de Ako, o castelo de Asano, e seu homem de confiança. Depois de aparentemente submeter-se às ordens do xogum, entregando o castelo, Oishi tenta restaurar o clã, pedindo ao xogum que Daigaku, irmão do falecido lorde Asano, seja entronizado em seu lugar. Quando o pedido é recusado, Oishi conclama os ronins, espalhados, e que já não mais acreditavam em sua liderança, para invadir a casa de Kira e matá-lo.
Evitando, apesar do tema, muitas cenas de violência – tanto por seu gosto pessoal como pelo peso relativo de uma censura numa época de militarismo exacerbado no Japão imperial dos anos 40 -, Mizoguchi sustenta firme o foco na celebração da rebeldia de pequenos indivíduos, subalternos como os samurais, contra a ordem injusta – no caso, a decisão equivocada do xogum no conflito entre Asano e o corrupto Kira. E assina um filme sóbrio e envolvente, que destaca pequenas histórias individuais, romances frustrados, famílias partidas. Por trás de tudo, flui a celebração e legitimidade da rebeldia contra a autoridade iníqua.
Algumas belas cenas – quando os ronins, à espera de julgamento, fazem uma festa, exercitando seus dotes artísticos, como canto e dança; e a cena em que lady Asano (Mitsuko Miura) envia flores aos fieis servidores do marido.
A segunda versão, de 1958, é 47 Ronins, de Kunio Watanabe, uma superprodução em cores, com um luxo de cenários, figurinos e participação de extras.
A história segue os principais eventos, diferenciando-se da versão de Mizoguchi por mostrar detalhadamente a invasão da casa de Kira (que Mizoguchi omite) e sua morte. E também o final, aqui o cortejo dos ronins após a vingança, rumo ao túmulo de seu senhor (o filme de Mizoguchi vai além disso, mostrando o julgamento dos samurais e seu posterior sacrifício).
Os vingadores (1962), de Hiroshi Inagaki, também em cores, é provavelmente a versão mais famosa da história, contando com a participação do astro Toshiro Mifune na pele de Gemba, um ronin e professor de lança (que não aparece nos outros dois filmes).
O tom aqui é mais irreverente com as autoridades, dizendo-se que os nobres estão falidos e retratando altos funcionários, como lorde Kira (Chusha Ichikawa), como corruptos insaciáveis – contra o que lorde Asano (Yuzo Kayama) se opõe energicamente. Como resultado, arma-se a intriga que culminará na agressão de Asano contra Kira e seu posterior seppuku.
O pacto de vingança dos ronins é assinado com sangue e, naquele momento, eles são 61 (alguns desistirão ao longo do tempo, por diversos motivos). Personalizam-se as histórias de alguns deles, mostrando seus disfarces para aproximar-se de Kira, conhecer a disposição dos ambientes de sua casa, suas renúncias pessoais e a preparação do ataque que se tornou a razão de suas vidas.
A invasão da mansão de Kira é, aliás, o clímax do filme, com sua dramaticidade reforçada por dar-se na penumbra. Nesse momento, Gemba, do lado de fora, mostra-se uma linha auxiliar aos samurais de Asano, não deixando passar reforços aos aliados de Kira com sua lança. Nesta versão, também não se mostra a morte de Kira – cuja covardia é salientada quando lhe oferecem a oportunidade de uma morte honrosa pelo haraquiri e ele recusa.
Como no filme de Watanabe, o final mostra os ronins vingadores num cortejo na rua, olhados com respeito pela multidão. Letreiros explicam o posterior destino destes heróis, a mais límpida expressão do bushido, o código de honra samurai, que está muito acima de um mero olho por olho, dente por dente.