O cinema de fundo religioso tem seu público certo, naqueles que almejam reforçar suas lições de fé, mas enfrentam grande resistência dos mais céticos e daqueles que não partilham da mesma crença – não sem razão, pois, geralmente, tratam-se de obras de baixa qualidade técnica, cujo roteiro fica subjugado a uma forçada propagação de dogmas. De olho neste mercado, os grandes estúdios de Hollywood entraram na onda com o mediano, porém, bem sucedido O Céu É de Verdade (2014). Agora, os mesmos produtores elevam o nível dentro do subgênero gospel, com um filme que vai além e serve de veículo para tentar alcançar uma audiência maior.
Milagres do Paraíso inspira-se nos relatos reais de Christy Beam, interpretada por Jennifer Garner (Clube de Compras Dallas), sobre como sua filha Anna (Kylie Rogers) quase morreu em decorrência de uma doença e depois de um acidente, inexplicavelmente para a ciência, salvou-se sem sequelas. O filme inicia, então, mostrando o cotidiano feliz dos Beam, uma família branca cristã do Texas, também formada pelo pai/marido, o veterinário Kevin (Martin Henderson, da série Grey’s Anatomy), e suas outras herdeiras, a amante de futebol, Abbie (Brighton Sharbino, de The Walking Dead), e Adelynn (Courtney Fansler), a fã de Taylor Swift.
Sofrendo com fortes dores, inchaço abdominal e vômitos constantes, Anna passa por vários médicos que lhe dão diferentes diagnósticos, para o desespero de sua mãe. Até que se descobre que a menina de 10 anos sofre de uma grave motilidade intestinal, uma paralisia do órgão que impede a digestão. Sem cura e com alta taxa de mortalidade, a doença altera completamente a família, seja financeiramente ou em sua rotina, já que Christy não hesita em ir, com a cara e com a coragem, para Boston, a fim de conseguir um tratamento para a garota com o Dr. Nurko (o mexicano Eugenio Derbez, de Não Aceitamos Devoluções), um Patch Adams especialista no caso.
Todo esse sofrimento faz a mãe de família questionar Deus, em certa ousadia da cineasta Patricia Riggen (Os 33) e do roteirista Randy Brown (Curvas da Vida) em abordar, em um produto deste tipo, tais crises de fé e até criticar o comportamento e posição de algumas pessoas na igreja – no caso retratado, uma do ramo protestante. Essa postura mais pé no chão permite alguma contenção na abordagem religiosa da obra, embora ainda mantenha seus momentos de sermão.
A diretora mexicana recai em alguns clichês visuais do subgênero, como a presença marcante dos raios de luz na fotografia do marido Checco Varese, e sua tradução kitsch da visão da menina sobre seu encontro com Deus, realizada em uma animação que destoa do resto do filme. Com o apelativo drama familiar como seu maior trunfo e o erro de jogar a personagem de Queen Latifah na trama, sem qualquer elaboração maior, o roteiro escorrega mesmo quando faz questão de deixar explícitos detalhes já subentendidos, subestimando a inteligência do público e/ou fazendo questão de reforçar atos de boa vontade cristã.
Apesar do sentimentalismo piegas e da clara manipulação para o choro, é fácil o espectador ignorá-los por uma identificação rápida com a relação entre mãe e filha, na qual todo o script se sustenta e que as atrizes defendem tão bem. A também mãe texana Jennifer Garner encarna o desespero da situação, sem cair no exagero, o que seria muito cômodo. Mas a surpresa vem mesmo da jovem Kylie Rogers, que sem recorrer ao expediente comum de interpretar uma criança chata e irritante, ainda mais em uma situação tão complicada, emprega uma sinceridade incrível quando a depressão da doença alcança a pequena Anna.