O senegalês Djibril Diop Mambéty (1945-1998) teve vida breve, mas brilhou como um cometa no cenário do cinema africano, com uma obra reduzida, devido a dificuldades de produção no continente, mas cuja singularidade é um dos grandes motivos para buscar sua descoberta.
Depois de uma retrospectiva de seus dois longas e alguns curtas e médias no recém-encerrado festival curitibano Olhar de Cinema, surge uma rara oportunidade de conhecer seu primeiro longa, Touki Bouki/A Viagem da Hiena (1973), que terá uma sessão com debate nesta quinta (21-6), no IMS paulistano.
Trata-se de uma obra poderosa em sua evocação da metáfora que compara o destino dos bois no matadouro – esta uma quase insuportável sequência inicial - ao de outro pequeno cidadão, o protagonista, o jovem Mory (Magaye Niang), camponês que alarga o seu reduzido espaço no mundo pela via da marginalidade. Ao seu lado, está uma garota, Anta (Mareme Niang), que também desafia os espaços tradicionalmente impostos ao seu gênero, com seu cabelo curto, calças compridas e túnica lisos, quase masculinos, e a própria condição de estudante num meio marcadamente rural.
Mory é um motoqueiro easy rider, incomodando com sua presença os colegas da namorada, mais ricos e que o tornam alvo de um bullying que remete a uma tentativa de linchamento, uma espécie de morte simbólica que o identifica como um outsider sem esperança de integração ou pertencimento. Essa marginalidade do protagonista está por trás das aproximações, feitas por alguns críticos, de Mambéty ao Jean-Luc Godard de Acossado. A diferenciar os dois cineastas, além de muitas outras evidências, é importante notar a preocupação do realizador senegalês em assinalar os signos de uma identidade cultural africana nesses seus seres profundamente vitais – não só os protagonistas, como os coadjuvantes (como a mulher a quem Mory deve dinheiro; e o milionário explorador de jovens pobres). Os coadjuvantes, aliás, nunca são exatamente secundários nos filmes de Mambéty, constituindo não só uma espécie de contexto a que os protagonistas devem continuamente responder como guardando valor inerente, individual, em si mesmos.
A jornada destes dois jovens, impregnada de aventuras, vicissitudes e experiências curiosas é revestida de um colorido todo especial, eventualmente melancólico, colocando em foco o conflito existencial de personagens divididos entre a herança cultural nativa e o peso do colonialismo, que os leva a um impasse permanente, entre o desejo de ficar e o de partir para a França – uma França enganosa e mítica, evocada pela voz de Josephine Baker na canção Paris, Paris.