16/01/2025

Em Totoral, uma comunidade isolada no Chile, o tempo parece passar de maneira diferente. Seus habitantes, praticamente todos e todas de idade avançada, cuidam de seus animais e observam a natureza se transformar ao longo das estações.

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Coprodução entre Brasil e Chile, Viver Lá não parece um filme desse mundo – e nem é. Escrito e dirigido por Javiera Véliz Fajardo, o longa transita entre o documentário e a encenação, mostrando que as fronteiras entre os gêneros são tênues, talvez, até desnecessárias. Importa se a diretora está documentando uma realidade ou se as pessoas no filme estão encenando algo bem próximo de seu cotidiano? Não, ao menos aqui, não.
 
O cenário é um lugar chamado Totoral, onde a vida parece existir aquém da tecnologia. A natureza, os animais, homens e mulheres convivem em plena harmonia num ritmo diferente daquele ditado por qualquer relógio. É o ritmo do Sol e da Lua, das estações do ano. Os habitantes dali são velhos demais para abandonar a região, criam cabras, bodes e plantam para sobreviver. A grande força de Totoral é o vento que moldou a paisagem. Essa relação do filme com a natureza lembra As quatro voltas (2010), de Michelangelo Framartino, que acompanha as quatro estações de um ano numa pequena comunidade italiana.
 
Por pouco mais de uma hora de filme, Véliz Fajardo acompanha essas vidas e esse lugar. Responsável pela fotografia e montagem, a diretora faz um jogo entre imagens e sons. A maior parte dos planos são filmados à distância – vemos humanos e animais apequenados diante da paisagem monumental – mas o som é como estivesse ali, do nosso lado. É uma discrepância muito pensada que causa um efeito de estranhamento, que nos lembra que perto e longe é apenas uma questão de referencial.
 
Imagens se dissolvem umas nas outras, o dia funde com a noite, montanhas com árvores, gente com bicho. É como se tudo fosse a mesma coisa, como se perdêssemos a noção de quem é quem, o que é o que naquele canto do mundo. A diretora é uma espectadora curiosa do tempo. Não tem pressa de aguardar o ritmo da natureza, das transformações, e registrar as implicações disso tudo nas vidas das pessoas que moram ali. Nesse sentido, parece criar um gênero único, algo próprio num filme que rejeita rótulos e explicações. É um documentário sensorial, quase lisérgico, propondo uma viagem a outro mundo, outro modo de viver. Tudo isso embebido numa poesia que nunca é forçada, a começar pelo título quilométrico original: Viver lá não é o inferno, é o fogo do deserto. A plenitude da vida que ficou lá como uma árvore. 
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