Três verões, de Sandra Kogut, pode muito bem ser visto como a crônica irônica de três anos em que vivemos em perigo. Ambientado nas festas de fim de ano de 2015, 2016 e 2017, numa luxuosa casa de veraneio, o enredo retrata o rastro de destruição que a operação Lava-Jato lança sobre um clã endinheirado e corrupto, com efeitos colaterais respingando sobre seus empregados - o que dá margem a uma sutil observação sobre as peculiares relações de classe no Brasil, sobretudo em virtude de uma sistemática interrupção do processo de aperfeiçoamento democrático.
Na pele de Madá, a caseira que toma conta de tudo na mansão, Regina Casé está à vontade como sempre, numa personagem popular que pode ser vista como uma variante da Val de Que Horas Ela Volta ? (2015). A diferença entre as duas está numa certa ambiguidade: ao mesmo tempo em que é empregada diante dos patrões, o casal Edgar (Otávio Müller) e Marta (Gisele Fróes), para os demais servidores, ela é como se fosse a patroa, distribuindo ordens e funcionando como intermediária de demandas múltiplas. Uma posição que, afinal, também a coloca em perigo.
A mudança do cenário da casa, ano a ano, revela o desmonte da situação de Edgar, pego nas malhas da investigação anticorrupção. O que em 2015 era luxo, riqueza e ostentação, vai-se desidratando, tornando-se decadente e precário. Madá, afinal, torna-se administradora de uma massa falida, com os patrões sumidos e a própria manutenção da casa virando um problema.
Um detalhe bem-sacado no roteiro, assinado por Sandra Kogut e Iana Cossoy Paro, é enfatizar o lado empreendedor de Madá e seus colegas - que, sem receber seus salários, inventam alternativas para fazer a mansão render em esquemas turísticos e publicitários.
Do lado de fora da mansão, há também um país desabando, junto com as instituições - e, embora isto esteja subentendido, o filme não é profundo o bastante para incorporar devidamente esta dimensão. O foco está mesmo num retrato impiedoso da elite financeira, suas inúmeras possibilidades de escapar à responsabilidade, e da dependência atávica de seus empregados de benesses que deveriam, a rigor, ter-se transformado em direitos claros muito tempo atrás.
Um indiscutível trunfo está no elenco. Premiada em três festivais - Antalya (Turquia), Rio e Málaga -, Regina Casé desenvolve com a habitual espontaneidade uma personagem originária da classe trabalhadora que tudo sustenta, até os esquemas que a prejudicam, sem abrir mão do humor e da ternura (manifestada sobretudo na sua relação com seu Lira, pai de Edgar, interpretado pelo sempre excelente Rogério Fróes). Na pele dos ricos corruptos, Otávio Müller, Gisele Fróes e também Carla Ribas dão o seu melhor, injetando características humanas em inegáveis vilões da interminável luta de classes à brasileira.