08/09/2024
Documentário

Maria Luiza

Nascida em Ceres, Goiás, Maria Luiza tornou-se a primeira mulher trans das Forças Armadas brasileiras. Tendo chegado a cabo na Aeronáutica e com uma folha militar exemplar, ela foi, no entanto, aposentada precocemente, depois de 22 anos de serviço, sob a alegação de "invalidez".

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Primeira mulher trans das Forças Armadas Brasileiras, Maria Luiza da Silva impressiona por uma mistura singular de força e delicadeza. Por trás de uma figura esguia, uma voz suave e uma aparência frágil, no entanto, esconde-se a determinação de quem começou a lutar para assumir sua condição feminina aos 40 anos, quando já era cabo na Aeronáutica, deixando para trás uma identidade masculina que lhe fora imposta ainda na infância.
 
Natural de Ceres, Goiás, ela conta que sempre se sentiu menina. Na adolescência, seu corpo masculino não se desenvolvia, chegando a começar a criar seios. O processo foi interrompido por uma ida ao médico, que mandou raspar suas cordas vocais e passou a ministrar-lhe hormônio masculino. Maria Luiza não culpa os pais, que, segundo ela, nunca foram violentos. Para ela, foram mal-orientados, por ignorância.
 
Sua adolescência, juventude e o início da vida adulta foram, então, uma longa tentativa de adequação à identidade masculina. Como sempre gostou de aviões, ela acabou alistando-se na FAB, onde se tornou mecânica e uma militar exemplar, sem ter sofrido nenhuma punição em 22 anos de carreira, sob o nome de José Carlos. 
 
Na vida pessoal, acabou casando-se e tendo uma filha. Mas nada disso sufocou sua feminilidade que, finalmente, sentiu que devia assumir, custasse o que custasse. Aí começou um longo percurso, que começa com a compreensão de alguns médicos da FAB, que a ouviram e passaram a ministrar-lhe hormônios femininos, mas culmina em sua aposentadoria precoce, por “invalidez” - sem direito ao que ela mais queria, continuar sendo militar, envergando uma farda feminina.
 
O momento mais brutal deste processo ocorreu quando ela foi submeter-se a uma avaliação da Junta Superior de Saúde, no Hospital da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, cerca de 20 anos atrás. Aquela que deveria ser uma permanência de apenas dois dias acabou prolongando-se por 13, em situação de incomunicabilidade total, pressões e ameaças para que desistisse de sua mudança de sexo. Ela não entra em detalhes sobre tudo o que sofreu dentro dessas paredes mas admite:  “A um juiz, eu contaria”. 
 
Essa trajetória de sofrimento e realização, que passou por diversas instâncias médicas e judiciais, no entanto, não roubou de Maria Luiza sua humanidade e doçura, evidentes na maneira como ela se expressa. Apesar da grande solidão que a cerca, ela se orgulha de suas escolhas, no que tem bastante razão. E desperta admiração, mesmo entre militares, como o ex-brigadeiro Gabriel, ex-diretor do Hospital da FAB e um dos que a compreenderam: “Ela saiu da manada”. 
 
As Forças Armadas brasileiras, no entanto, têm-se mantido na sua rigidez intolerante e obscurantista. Nem mesmo ao filme, apesar de insistentes pedidos, nenhum representante da FAB quis se manifestar. Um silêncio estridente.

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