Leveza, liberdade e uma pegada pop marcam Alice Júnior, de Gil Baroni, um filme que acompanha a trajetória de uma adolescente trans muito especial (Anne Celestino, um achado) e fez muito sucesso numa série de festivais, pelo Brasil e mundo afora - como Brasília, Rio, Berlim, Frameline e Outfest, colhendo prêmios como o de melhor atriz para Anne em Brasília e no Mix Brasil 2019.
Nem por seu humor o filme deixa em nenhum momento de acentuar seu significado simbólico na demarcação da representatividade trans no território do cinema. Sua primeira originalidade vem do fato de que, ao contrário da maioria dos filmes do universo trans, a personagem é de classe média, amada pelo pai (Manuel Rosset), um francês viúvo que a mima e apóia sua transição. A garota não tem dificuldades financeiras e mantém um vlog.
Esse conforto sofre um abalo quando a família se transfere do Recife para Araucárias do Sul (cidade fictícia) no Paraná, por motivos profissionais do pai. Matriculada no melhor colégio local, de freiras, Alice não consegue ser tratada pelo nome social, é obrigada a usar uniforme masculino e encara solidão e bullying.
Seu enfrentamento desta problemática é, no entanto, conduzido de maneira leve. Alice é corajosa, determinada e consegue romper seu isolamento, ganhando aliados entre alguns poucos alunos da escola e um solitário professor - que a trata pelo nome escolhido por ela.
Ainda que o roteiro, assinado por Luiz Bertazzo (também preparador de elenco), tenha assimilado as vivências da própria Anne para manter o maior realismo possível nas falas, nunca se perdeu de vista a procura de um tom de fábula, para uma maior delicadeza. Além disso, a narrativa manteve-se fiel à preocupação de injetar uma imagem pop nas aventuras da protagonista através da fartura de grafismos, que reproduzem na tela a linguagem do vlog e mantêm uma identidade com a própria adolescência.
A grande comunicação obtida nos festivais onde o filme circulou decorre do equilíbrio desta mistura de tons, em que se fala de bullying sem esquecer de contemplar a empatia, a amizade, o acolhimento e o amor. Tudo isso humaniza a personagem e coloca o ser humano trans no seu devido lugar, ao lado do resto da humanidade. Afinal, a grande expectativa de Alice é seu primeiro beijo - todo mundo já sentiu isso algum dia.