Em Vaga Carne, a atriz Grace Passô (estreando como diretora de cinema) leva à tela seu monólogo homônimo. É uma adaptação teatral que tira o melhor que o teatro pode oferecer, revelando a energia de um texto forte, mas que corria o risco de se perder ao ser levado ao cinema. Como bem se sabe, Passô é uma força da natureza na tela ou no palco, e disso nasce a pungência do média. A direção é assinada por ela, em parceria com Ricardo Alves Jr.
A questão central é a da identidade, e o corpo, ora vetor, ora metáfora, que materializa essa discussão. Passô é uma mulher negra de um país da periferia do capitalismo e isso é, obviamente, algo importante no que a define como pessoa. O título já pode, de cara, deixar claro, o corpo é carne – mas com um complicante: vaga. Por que vaga? Seria sua duração efêmera diante da história do mundo? Ou seria a imprecisão do que somos diante das circunstâncias que nos formam?
Vaga Carne não responde essas, nem outras questões, e o ponto é exatamente esse: levantar problemas e indagações sobre o que somos, onde e quando somos. A mutação social é nosso substrato: o brasileiro médio de hoje não é o mesmo que o de 30 anos atrás. O tema identitário é algo relativamente recente - embora movimentos existam há bastante tempo – e, dessa forma, o média é uma discussão certeira sobre o assunto.
Atriz premiada de filmes como Praça Paris, Temporada e No coração do mundo, Passô é uma das figuras mais interessantes do cinema e do teatro brasileiros contemporâneos. Sua presença na tela é, para se usar um clichê, camaleônica: transita entre a força e a fragilidade tal qual o papel exige. Aqui não é diferente, mas isso ela faz num tempo delimitado de um média, ou seja, é um furacão de emoções em um personagem, em forma de monólogo.
Vaga Carne é um filme experimental que brinca com a linguagem do cinema, na luz, no enquadramento, sem ser hermético, criando um diálogo com seu público porque levanta questões de urgência da contemporaneidade. A presença da atriz/diretora na tela é hipnótica, impossível não embarcar nessa viagem cinematográfica que saúda o teatro em sua jornada.
Leia aqui entrevista com Grace Passô