Numa das primeiras cenas de As virgens suicidas, longa de estreia de Sofia Coppola, depois que uma das cinco irmãs Lisbon tenta, sem sucesso, se matar, no hospital ela recebe a visita de um médico – uma participação de Danny DeVito – que lhe pergunta o motivo daquilo, sendo ela tão jovem, não fazendo ideia de como a vida pode ser dura. A resposta: “Obviamente, doutor, você nunca foi uma menina de 13 anos.” Essa é a frase que resume todo o filme – talvez toda a obra a diretora.
Filme após filme, Coppola, com apenas 27 anos quando realizou este longa, investiga o que é ser uma jovem mulher em um mundo que jamais se dará ao trabalho de tentar compreendê-la – obviamente. Aqui, um grupo de irmãs adolescentes – todas loiras e um tanto pálidas, especialmente a partir do momento que são impedidas de sair de casa – é oprimida por uma mãe abusivamente conservadora (Kathleen Turner) e um pai amoroso, mas omisso (James Woods). As protagonistas da diretora – seja Charlotte, de Encontros e Desencontros, Maria Antonieta, no filme homônimo, ou as mulheres de O estranho que nós amamos – estão num mundo pequeno demais para elas e, por isso, inevitavelmente sufocadas.
O roteiro, assinado pela diretora, parte do romance homônimo de Jeffrey Eugenides, e tem como narradores um grupo de homens próximos da meia-idade, que olham para um episódio de seu passado que os marcou: o suicídio das irmãs Lisbon. O jogo que o livro e o filme estabelecem é: as garotas são sistematicamente silenciadas enquanto os homens são os donos da narrativa. É uma estratégia sagaz e reveladora, que expõe os limites da linguagem, desligando-se da imaginação. A imagem que temos dessas meninas é fruto da memória e da criação desses rapazes.
A junção desses dois elementos, é claro, permite idealizações e lacunas. O filme narra a trajetória das meninas com uma luz solar fria e difusa – com fotografia assinada por Edward Lachman – que, esmaecida, ressalta a temporalidade de As virgens suicidas, situado num passado remoto e kitsch dos anos de 1970, em que a revolução sexual da década anterior nunca pareceu chegar àquele subúrbio onde moram os personagens.
A dialética que Coppola estabelece é entre o narrar e o mostrar, entre as palavras e as imagens: os meninos, a voz deles é na primeira pessoal do plural, tal como um coro grego, contam; as meninas mostram sua história. Outro ponto crucial está no estabelecimento das identidades distintas para cada uma delas. Os garotos as veem como um grupo: as irmãs Lisbon. O filme, por sua vez, as mostra distintas – tanto que cada uma tem seu modo e momento próprio de tirar a vida, e estabelecer a distinção.
Lux é a irmã que tenta livrar-se dessa prisão, envolvendo-se com o galã da escola, Trip Fontaine (Josh Hartnett), que dá seu depoimento numa clínica de reabilitação. A tentativa de fuga dela apenas faz aumentar o isolamento da família, fechando-se do mundo, e contra o mundo, a mando de uma mãe que acredita estar fazendo o melhor para sua família: “Nunca lhes faltou amor”, diz. Mas esse “amor”, ao fim, foi o catalisador do trágico destino de suas filhas.