No século 16, o nobre lorde van Ketten casa-se com uma jovem portuguesa, que vem morar no seu lúgubre castelo na Itália. Sempre envolvido nas complicadas tramas políticas da época, o lorde parte para a guerra e fica distante por 11 anos. Sua esposa decide, então, tomar posse da casa, com um comportamento independente que desperta preconceitos.
- Por Neusa Barbosa
- 21/07/2020
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O ponto de partida deste notável drama de época, A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes, uma das veteranas mais expressivas do cinema de Portugal, é uma poética adaptação, a cargo da escritora Agustina Bessa-Luís (1922-2019), da novela homônima do austríaco Robert Musil (1880-1942). Com aquele estilo todo seu, Agustina, que foi uma parceira habitual do mestre Manoel de Oliveira, escreveu diálogos intensos e belos para construir a narrativa em torno da “portuguesa” (Clara Riedenstein), como é simplesmente chamada a jovem nova esposa de lorde van Ketten (Marcello Urgeghe).
Ambientado no período medieval, o filme é um primor de direção de arte, tendo na fotografia de Acácio de Almeida um aliado poderoso para a precisão da composição de ambientes. Toda esta moldura estética está a serviço de uma obra que consegue, no devido tempo, invocar a vida pulsante por trás de todas as convenções de época, trazendo à luz uma instigante discussão sobre os conflitos dos mundos feminino e masculino segundo os valores de então, mas deslocando este atrito para a contemporaneidade de maneira sutil.
A satanização do feminino divergente, comparado à bruxaria - a jovem portuguesa é tida como herética e feiticeira, especialmente por adotar um comportamento independente durante a longa ausência de seu marido na guerra - é um dos temas que saltam desta primorosa adaptação, que permite conhecer uma obra recente desta realizadora consagrada.