Numa live recente no canal do Cinesesc, o psicanalista Christian Dunker explicou que são necessárias três gerações para poder figurar em forma de arte um trauma histórico. Basicamente, a primeira irá enfrentar o evento, a segunda irá conhecê-lo por meio de relatos orais daqueles que vivenciaram o fato e, por fim, somente a próxima será capaz de o moldar e transformar em material artístico. Dessa forma, qualquer esforço de narrar sobre a pandemia do novo Covid-19 será, quase que exclusivamente em vão. Assim, Antologia da Pandemia, com 13 curtas de seis países, funciona mais como um sintoma do que uma investigação sobre o presente.
A maioria dos filmes aqui caem no mero retrato raso da realidade, pois sem a capacidade do mínimo de distanciamento histórico a coletânea, digamos, chove no molhado dizendo o óbvio que enfrentamos no cotidiano – especialmente nos curtas brasileiros, com exceção do ótimo Jérôme: Um Conto de Natal, de Beatriz Saldanha. Em um deles, por exemplo, um rapaz é contaminado por um vírus transmitido por computador e se transforma em bolsonarista, para desespero de sua companheira, que precisa exterminá-lo. É um filme repleto de boas intenções, mas incapaz de ir além disso.
Poucos realmente se valem da linguagem cinematográfica de forma competente. Jérôme traz um gato como protagonista que, tendo a casa apenas para si, se torna o rei do pedaço. É incrível como a diretora, roteirista e montadora cria um clima de um pesadelo lúdico com apenas o felino e seus amigos em cena. Por outro lado, o primeiro filme, Quarentena Sem Fim, de Fabrício Bittar, também brasileiro, é bem menos esperto do que acredita ser. Dois anos se passaram e as pessoas continuam trancadas em casa. Um jovem casal se comunica apenas pela internet, mas a moça não aguenta mais o isolamento e resolve sair de casa. Vemos tudo pela tela do computador. E apenas isso.
De todo modo, é louvável que o projeto exista e os filmes – além do Brasil, vindos do Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e Chipre – sejam um esforço conjunto para a produção em condições adversas. Mas não devem ser tomados por além do que são: um olhar sobre o presente que, se sobreviverem ao tempo, serão apenas uma espécie de documento sintomático do que cinema.