07/09/2024
Documentário

Fico te devendo uma carta sobre o Brasil

Durante a ditadura, com apenas 17 anos, César Benjamin foi preso e torturado. Sua mãe, Iramaya, fez de tudo para salvar sua vida. O documentário, dirigido por Carol Benjamin, filha de César, resgata a história dessa família e como ela reflete o Brasil, desde os anos de 1960 até hoje.

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Em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil está um relato altamente pessoal, uma história de como a ditadura militar entrou na casa da família Benjamin e os danos que causou a todos, em especial a César, filho do meio e pai da diretora do longa, Carol Benjamin, que foi preso e torturado aos 17 anos. Esse é um documentário em primeira pessoa, de uma jovem mulher em busca da história de seu pai, que guardou todo o episódio naquilo que ela chama de Caixa Preta – como as de avião -, e com o longa ela quer abrir.
Transitando entre o Brasil e a Suécia, onde o pai se exilou, Carol investiga uma história que lhe é cara, parte de sua vida, e também uma incógnita. O filme começa com uma carta que ela envia ao pai, que o questiona de maneira delicada, mas incisiva. A voz da diretora é doce e melancólica, mas segura. Assim ela se porta ao longo do filme, resgatando algo que jogará luz na história de sua família. É necessária uma grande dose de coragem para se colocar em primeira pessoa num documentário deste tipo, e Carol o faz com humildade, mostrando que é possível estar em cena e não capturar o filme para si, não se transformar no centro das atenções.
Há uma ressonância interessante entre Fico te devendo... e Diário de uma busca, no qual a diretora Flávia Castro tenta desvendar a morte de seu pai, Celso Afonso Gay de Castro. Em comum, os filmes têm o tema da ditadura, da prisão política, e as marcas deixadas na família. Carol resgata um longo depoimento público de sua avó, Iramaya Queiroz Benjamin, de 1999, em comemoração aos 20 anos da Anistia, e isso serve como um guia da construção do filme, assim como cartas trocadas por diversas pessoas ao longo de quase cinco décadas - sendo especialmente importantes aquelas trocadas com Marianne Eyre, da seção sueca da Anista Internacional, também uma das entrevistadas no filme. .
Iramaya aliás, é uma figura tão importante quanto o filho e a neta no longa. Sua luta pela liberdade de César foi dura e, obviamente, a marcou e à família também. Por meio dela, Carol, que a define como “modelo de mãe”, descobriu a história do pai, que  se fechou em si, enquanto dona Maya “acabou se tornando um heroína ao contar e recontar seus grandes feitos.” César, por sua vez, foi contar a história na prisão pela primeira vez apenas à Comissão da Verdade, em 2012, num depoimento resgatado pelo filme. O longa ganhou menções honrosas no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã 2019 e no Festival É Tudo Verdade de 2020. 
Figuras do passado, que unem pai e filha, surgem em entrevistas que traçam o contorno de uma história triste em busca de sentido, que será conferido ao longo do documentário. Carol é uma espécie de investigadora, cujo objeto da procura é desvendar uma história sobre sua família e seu país. Jogar luz na história dos Benjamin é também iluminar um momento obscuro do Brasil e o filme tem esse poder.
A montagem de Marília Moraes e Isabel Castro alterna passado e presente, sublinhando a relação entre como somos, como pessoas e país, a consequência daqueles que vieram antes. Nesse sentido, o documentário transforma o pessoal, a jornada da diretora, em universal. A história de um jovem militante, encarcerado e torturado por mais de uma década, a luta de sua mãe pela sua liberdade, e a busca de sua filha por essa história falam ao mundo. 
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