É impossível não se comover ou vibrar vendo um Theatro Municipal de São Paulo lotado com as pessoas bradando junto com Emicida, Pabllo Vittar e Majur: “Ontem eu morri, mas hoje eu não morro”. Esse é um dos momentos mais fortes em Emicida: AmarElo - É Tudo Pra Ontem, um filme repleto de momentos fortes, que comovem e empolgam pela sua honestidade.
Dirigido por Fred Ouro Preto, o documentário tem como moldura um show histórico do rapper no teatro, em 2019, para o disco Amarelo, mas não se limita a isso. A música e a apresentação servem como guias na construção da narrativa, mas os caminhos que desviam desse momento são elucidativos e compõem um vasto painel da cultura negra ao longo da história do Brasil. É um filme interessado em ensinar, sem ser didático, tendo um valor pedagógico e inclusivo. Ao longo das cenas do show, faz-se questão de mostrar uma plateia diversa, com negros e brancos cantando as músicas em uníssono com o músico e seus convidados e convidadas.
Há espaço para todos e todas aqui: de Angela Davis a Fernanda Montenegro, passando por Zeca Pagodinho, Ruth de Souza e Mário de Andrade, entre outras personalidades. A montagem pode parecer caótica em alguns momentos, mas há método nesse caos, no sentido da construção de uma identidade negra que não precise de qualquer tipo de aprovação – especialmente de brancos. O que, na visão de Emicida, não quer dizer excludente: seu show, sua música, sua arte são um espaço de debate que acolhe com a mesma generosidade negros e brancos interessados na construção de um Brasil melhor.
Angela Davis, numa passagem pelo país, pergunta: “Por que vocês aqui no Brasil precisam olhar apara os Estados Unidos? Eu não entendo. Acho que aprendi mais com Lélia Gonzalez do que vocês aprenderão comigo”. E esse é mais um dos pontos do documentário: não precisamos olhar para lugar nenhum além da nossa cultura e da nossa gente para a formação de um pensamento crítico e transformação nacional. Emicida prega isso com sutileza e eficiência, trazendo à tona feitos de grandes figuras, algumas praticamente desconhecidas do grande público, como o baterista Wilson das Neves, um dos ídolos, aliás, do rapper.
"Tudo que nóis têm é nóis" é o grito de guerra que ecoa do disco e do show, e é o norte do filme, concordando com a colocação da pensadora e militante norte-americana. Emicida cria em AmarElo - É Tudo Pra Ontem uma ferramenta de transformação e inspiração – especialmente para os jovens negros e negras da periferia, cujas vozes raramente são ouvidas. Aqui, ele coloca essa juventude literalmente no centro do palco. O fato de este documentário chegar a um grande público – numa plataforma de streaming, coisa que no cinema dificilmente conseguiria – apenas potencializa o projeto transformador do artista, e dá ao país uma lufada de esperança tão necessária nesse momento.