Os “relatos” do título de Relatos do Mundo são notícias de jornal que um certo capitão Kidd (Tom Hanks) lê para os cidadãos analfabetos, viajando de cidade em cidade do Texas, em 1870, cinco anos depois de lutar na Guerra de Secessão. Se são recentes ou reais essas notícias, pouco importa, o que conta é o que são relatos vindo de fora de cada lugar onde ele passa. O detalhe não é central para o filme dirigido por Paul Greengrass, embora funcione como uma costura para a narrativa desse road movie.
Ao centro está a relação de Kidd com uma misteriosa menininha que ele resgata, perdida e solitária. Trata-se de Johanna, interpretada pelo prodígio alemão Helena Zengel, que chamou a atenção do mundo em Transtorno Explosivo. É curioso que sua primeira aparição em cena aqui lembre a menina daquele outro filme, enquanto ela grita, esperneia e até morde o protagonista. Mas o registro é outro, e a personagem também, o que só prova o talento e versatilidade dessa jovem atriz.
É curioso ver o inglês Greengrass, conhecido por filme repletos de adrenalina e muito bem filmados (como Vôo United 93 e O ultimato Bourne), aventurar-se num território do cinema clássico americano, tomando o western como cartilha. O resultado, embora longe de explosivo, como de costume na obra dele, é bastante eficiente, em especial por sua direção precisa e contida, além da fotografia, assinada pelo polonês Dariusz Wolski, que, como é comum no gênero, valoriza as grandes paisagens em planos abertos que parecem consumir os humanos diminutos diante da natureza.
O roteiro, adaptado por Greegrass e Luke Davies, a partir do romance de Paulette Jiles, coloca ao centro a jornada de Kidd e Johanna. Ela é uma imigrante alemã de 10 anos, criada numa tribo Kiowa desde a morte de seus pais uns anos atrás. De começo, já se estabelece um problema entre eles: a comunicação. Ela não fala inglês, e ele, nem alemão, nem Kiowa. Como ganhar a confiança dela? Como cuidar dela, se nem conversar com ela o capitão consegue? Ele toma sua profissão de leitor de notícias bastante a sério, e vê no ato um serviço público de levar informação, esclarecimento e entretenimento para as pessoas. Como incluir a menina em sua missão?
Como todo road movie, Relatos do Mundo é episódico, e alguns momentos e personagens são mais interessantes do que outros. Caso da dona de uma estalagem em Dallas, interpretada com graça e brio por Elizabeth Marvel, versada em Kiowa, que é quem, finalmente, consegue estabelecer alguma comunicação com a menina. Não deixa de ser curioso que um western, um gênero tão dominado pelo masculino, traga duas personagens femininas tão fortes como Johanna e a estalajadeira. Talvez a origem do filme, um romance escrito por uma mulher, explique isso.
A narrativa é plácida, com longos momentos de conversa numa charrete entre Kidd e Johanna, como quando comparam vocabulários, apontando para coisas como o céu, nuvens e búfalos. Cortando essas cenas há algumas que trazem tensão ao filme, em especial no confronto com alguns soldados (Michael Angelo Covino, Clay James e Cash Lilley) que querem comprar a garota loira para seus propósitos escusos. Ou quando a natureza se volta contra os humanos.
Mesmo situado no passado, Relatos do Mundo não deixa de ressoar no presente, ao contar uma história sobre dois refugiados andando pelos EUA, em busca do tal Sonho Americano, tentando fugir de fantasmas de seus passados num país ideologicamente dividido. Será Johanna quem ensinará a Kidd que não há como fugir, é necessário encarar o passado e lidar com ele.