16/03/2025
Documentário

Nardjes A.

Descobrindo o país de seu pai, a Argélia, em 2019, o diretor brasileiro Karim Aïnouz chega em plena eclosão do movimento Hirak, que naquele momento tomava as ruas contra a quinta candidatura do presidente Abdelaziz Bouteflika, no poder há 20 anos. E identifica na jovem ativista Nardjes A. a síntese do movimento popular.

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Filho de pai argelino, o cineasta cearense Karim Aïnouz (A Vida Invisível) foi ao encontro destas raízes pela primeira vez em fevereiro de 2019. A ideia era realizar um documentário sobre sua família, o que ele fez. Chegando àquele país no momento em que cresciam as massivas manifestações de rua contra a quinta candidatura do presidente Abdelaziz Bouteflika, 82 anos, o diretor teve a chance de captar um levante popular em formação. Assim, realizou este outro documentário, em torno da jovem ativista Nardjes Asli, que se torna sua antena e um símbolo do que acontecia naquele momento no país.
 
Colando seu smartphone a Nardjes, Karim acompanha 24 horas de sua vida, no dia 8 de março de 2019 - Dia Internacional da Mulher e uma sexta-feira, o dia semanal de protesto para pedir a saída de Bouteflika, que ocupava o poder há 20 anos.
 
Este dia na vida de Nardjes permite mergulhar não só na gênese de um movimento que começou mais ou menos espontaneamente e teve o poder de crescer como um rastilho de pólvora, como também desvendar um pouco do espírito dos argelinos - um povo orgulhoso de ter conquistado, com batalhas e muito sangue, sua independência dos franceses, em 1962.
 
Uma síntese desse passado colonialista está mesmo na linguagem de Nardjes, que passa do francês ao árabe sem transição, para apresentar um pouco de um país que, naquele momento, está quase todo nas ruas. São em sua maioria jovens e homens, mas muitas mulheres, de todas as idades, algumas bastante idosas, e até crianças, juntam-se a esse movimento que pede, basicamente, que a Argélia lhes seja devolvida. A gerontocracia da Frente de Libertação Nacional, que liderou a guerra de independência contra os franceses, tornou-se, ela mesma, opressora das liberdades e deve partir.
 
O filme capta a singularidade deste movimento das ruas, chamado Hirak, que encara o medo da tropa de choque, com seus jatos d’água e gás lacrimogêneo, com canções e danças, com abraços e bandeiras enroladas nos corpos, nas cabeças e nas mãos, ao lado de cartazes em várias línguas.
 
Terceira geração de militantes pela liberdade de uma mesma família, Nardjes acredita, como seus amigos, que chegou a hora de tomarem o controle do país para que os jovens tenham emprego e esperança. A primeira batalha, contra Bouteflika, foi ganha - ele renunciou. Mas seu partido continua no poder. E o Hirak continua. 
 
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