A década de 2010 consolidou as políticas para o audiovisual que vinham sendo implantadas nos anos anteriores e isso permitiu o surgimento de diversas novas cineastas - algumas delas, começando na TV, como Júlia Rezende, Susanna Lira, Carolina Jabor e outras.
Iniciando na profissão com séries televisivas, Júlia Rezende viu o sucesso de uma delas, Meu Passado me Condena, transformar-se no seu passaporte para o cinema, com a parceria de um produtor argentino. Estrelado por Miá Mello e um Fábio Porchat que ainda não havia decolado no Porta dos Fundos, Meu Passado me Condena - O Filme (2013) foi uma das grandes bilheterias do ano, atraindo cerca de 3,6 milhões de espectadores.
Consolidando sua carreira como diretora de comédias, Júlia dirigiu em 2018 o terceiro exemplar da bem-sucedida franquia De Pernas pro Ar, com Ingrid Guimarães. O filme teve lançamento de peso, em 1010 salas, em 2019, mas sofreu um baque ao ser retirado de 770 delas na segunda semana, apesar do sucesso, para dar lugar a Vingadores: Ultimato. O ministro da Cultura do governo Temer, Sergio Sá Leitão, na saída não deixara assinada a Cota de Tela, que, vigente desde 1932, assegurava uma fatia das salas exibidoras aos filmes nacionais, devendo ser renovada anualmente. Assim, Vingadores: Ultimato que nos EUA ocupou entre 12 e 13% das salas daquele país, aqui ocupou nada menos do que inconcebíveis 92% do circuito.
A consultora Vera Zaverucha, em entrevista, aponta o perigo dessa sujeição do mercado nacional aos conglomerados estrangeiros que, por interesse próprios, pressionam por regulação mínima e combatem a cota de tela. O mercado brasileiro, afinal, é apetitoso. Estima-se, por exemplo, que seja o segundo do mundo na área de plataformas VOD.
Muitos foram os resultados da atuação da Ancine nessas duas décadas do século 21, como a Lei 12.485/2011, que obrigou a produção a uma descentralização fora do eixo Rio/São Paulo. Assim, foram surgindo novas expressões e olhares, como das realizadoras indígenas.
Um exemplo foi Graci Guarani, proveniente do povo Guarani-Kaiowaá do MS, que assinou curtas marcantes como Mãos de Barro, Mensageiros do Futuro e Tempo Circular. Outro exemplo: o média Teko Haxy - Ser Imperfeita, que registra os intercâmbios entre as diretoras Patrícia Ferreira Pará Yiapy e Sophia Pinheiro.
Experiências marcantes de linguagem vieram no trabalho de outras diretoras, como a paulistana Eliane Caffé, traduzindo em Era o Hotel Cambridge uma experiência colaborativa que envolveu membros do movimento sem-teto da capital paulista não apenas como personagens mas como co-realizadores.
Iniciativas como a criação da Comissão de Diversidade na Ancine - na gestão de Débora Ivanov - e da OCA (Observatório Brasileiro de Cinema e Audiovisual) simbolizam a seriedade e a ambição das políticas para o audiovisual destas duas décadas do século 21, que viram o surgimento de 156 novas cineastas. Tudo isso serve de alento para o movimento de resistência aos tempos obscurantistas deste momento.