12/02/2025
Musical Faroeste Comédia

O Homem do Boulevard des Capucines

No finalzinho do século XIX, chega à cidade de Santa Carolina Johnny First, um forasteiro refinado que traz consigo a última novidade tecnológica - o cinematógrafo. Improvisando uma sala no bar local, com os lençóis da bailarina Diana, ele faz sensação entre os moradores, mudando os hábitos até dos bêbados e briguentos.

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Uma inusitada mistura de faroeste, comédia e musical ambientada no Velho Oeste norte-americano é a receita deste O Homem do Boulevard des Capucines, em que a diretora ucraniana Alla Suritova exercita um notável comando de cena, sem deixar de infiltrar ácidos comentários sociais e artísticos.
 
Desde o título, o filme, com roteiro de Eduard Akopov, remete à origem do cinema, nascido naquela histórica sessão em 1895, no Boulevard des Capucines, em Paris. Nesta história, um pioneiro do cinema, Johnny First (Andrei Mironov), viaja numa diligência, a caminho da cidadezinha de Santa Carolina. O livro que ele lê - A História do Cinema - tem a particularidade de não ter mais do que algumas poucas páginas escritas. O resto vem a caminho. 
 
Segue-se o tradicional assalto à diligência, pelo bando de Jack, o Malvado (Mikhail Boyarsky), já um pretexto para infiltrar uma crítica ao capitalismo - afinal, este ladrão assalta em conluio com os donos das diligências, que recebem indenizações das companhias de seguro. Como diz alguém, é um “país perdido para a ganância”.
 
Este não é o caso, no entanto, do empreendedor Johnny First, que traz na bagagem nada menos do que o cinematógrafo recém-inventado mas não pretende enriquecer com isso. Na verdade, este generoso portador do progresso apenas quer proporcionar arte para as multidões - que, no caso, são bandos de homens que passam o dia no bar de Harry McCue (Oleg Tabakov) enchendo a cara e brigando.
 
Um verdadeiro milagre se produz sobre estes brutos quando se acende a tela improvisada no bar, sobre um lençol emprestado da dançarina e beldade local, Diana (Aleksandra Yakovleva-Asamyae). Eles todos se aquietam em suas cadeiras, hipnotizados pelas imagens de alguns dos primeiros filmes efetivamente feitos pelos pioneiros irmãos Louis e Auguste Lumière, O Regador Regado (1895) e A Chegada do Trem na Estação (1896). 
 
A defesa do impacto civilizatório da arte é mais do que evidente numa história que expõe os vícios de seus inimigos, como o ambicioso dono do bar, que viu minguar seus lucros com a bebida - agora, os frequentadores só bebem leite e aprenderam modos, como pedir “por favor”, imitando o elegante First. Outro inimigo da nova arte é o pastor local (Igor Kvasha), que prega aos quatro ventos que o cinema “é o ópio do povo” (parafraseando o famoso comentário do jovem Karl Marx  sobre a religião). Um último inimigo será Johnny Second (Albert Filozov), um concorrente degenerado de First.
 
Em que pese todo esse subtexto, o filme aposta decididamente no aspecto do entretenimento, com números musicais bem eficientes nas diversas intrigas da cidadezinha e pontuando também o romance entre Diana e First. É um filme muito curioso, invertendo os clichês sobre alguns personagens-chave do gênero - como o chefe comanche (Spartak Mishulin), um sujeito refinado, que discute Darwin com os caubóis brancos chucros e pontifica que “diante da tela, somos todos iguais”. Mesmo a violência, outro traço definidor do faroeste, aqui torna-se muito mais o objeto de cenas de pastelão, ainda que nem por isso se transforme num western spaghetti. O olhar feminino da diretora igualmente transforma Diana em muito mais do que apenas a beldade do saloon, reforçando sua iniciativa e rebeldia num mundo inegavelmente mais confortável para os machos.
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