Vencedor de quatro prêmios no Festival de Gramado 2020, depois de ter sido exibido em em Roterdã, Indie Lisboa e San Sebastián, Um animal amarelo embarca na inquietação de um aspirante a cineasta, Fernando (Higor Campagnaro). Ele enfrenta uma herança familiar questionável, a partir de um avô, Sebastião (Herson Capri), desmatador e obcecado pela ideia de enriquecer com a mineração - o típico “empreendedor” da era do neoliberalismo.
Como de hábito na obra do diretor Felipe Bragança - que assinou A Alegria (2010) e Não Devore meu Coração (2017), entre outros -, a narrativa é anárquica e povoada de alegorias e metáforas mais ou menos debochadas. E assim o protagonista embarca numa série de aventuras em Moçambique, onde se envolve com um trio de habitantes locais que, literalmente, produzem pedras preciosas a partir de seus corpos - liderados por Catarina (Isabel Zuaa, prêmio de melhor atriz em Gramado), que empresta sua voz à narração ao longo do filme, ironizando Fernando numa voz em off.
Esta narração onipresente cria um estranhamento, constituindo uma das inúmeras referências a Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, a quem o filme é dedicado nos créditos finais. Sem dúvida, Fernando também é, como Macunaíma, um heroi - ou anti-heroi - sem nenhum caráter, embora lhe falte ter por trás a densidade da obra de Mário de Andrade, que inspirou o filme de 1969.
Fora a citação a Joaquim Pedro, é evidente que Um animal amarelo tem altas ambições para a composição da atmosfera peculiar da obra. Na coletiva online de Gramado, em 2020, o diretor e corroteirista Bragança descreveu seu filme desta forma: “É uma falsa genealogia de um autor, de um criador se colocando num lugar de neutralidade, que se mostra impossível. Ele só pode ser atravessado pelas ruínas coloniais do passado, tanto no Brasil, quanto na África, tudo isso embalado por uma rapsódia com muitas camadas e acumulação de vários tempos”.
Bragança acredita que os dilemas de seu protagonista representam, de algum modo, o momento que o País enfrenta hoje. “Vivemos uma crise de processo histórico que abre uma brecha no tempo. A gente se ilude achando que vive num tempo só. Vários tempos convivem em nós, a gente os carrega. Inclusive os futuros possíveis”.
Resultado de um concurso do PRODECINE para filmes culturais, que não mais existe, Um Animal Amarelo contou com uma verba de R$ 2,2 milhões. A ela, foram acrescidos mais US$ 150.000, vindos de um Protocolo Luso-Brasileiro que, igualmente, está inativo. Fatos esses lamentados pelo diretor: “A gente hoje está assistindo ao desmonte de tudo o que funciona”.